A mulher que mais sofre violência no Brasil é a negra. No balanço da Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) de 2015, as negras atendidas por violência doméstica representaram 58,86% das ligações. No diagnóstico de homicídios no Brasil feito pelo Ministério da Justiça no mesmo ano, esse percentual sobe para 68,8%. Entre 2003 e 2013 , o homicídio de mulheres negras subiu 54,2%, enquanto o de mulheres brancas caiu 9,8%, de acordo com o Mapa da Violência 2015. Também somos as mais agredidas por pessoas conhecidas, parente e ex-cônjuges, segundo Dossiê Mulheres Negras (Ipea/Seppir/SPM-PR, 2013).
Esses números refletem uma herança histórica racista onde as negras sempre foram o alvo principal quando o assunto é violência.
No período escravocrata as mulheres pretas, além de trabalharem e apanharem iguais aos homens negros, eram assediadas, violentadas e sofriam maus tratos não só dos homens brancos, mas também das mulheres brancas. É importante frisar que isso se dava desde quando as africanas eram arrancadas de suas terras e traficadas para o Brasil. Essas mulheres eram estupradas rotativamente por mais de um mês em alto-mar.
A Lei Maria da Penha acaba de completar 13 anos, mas nem de longe temos motivos para comemorar. Continuamos morrendo, e aos montes. O problema não está na lei em si. A cearense Maria da Penha com sua luta trouxe à luz uma pauta, até então, não discutida e tratada com menosprezo. Na Lei nº 9.099 de 1995, a violência contra a mulher tinha status de “crime de menor potencial ofensivo”, a própria vítima era responsável por entregar a intimação ao seu agressor e as penas quase sempre resultavam em pagamento de cestas básicas.
A legislação atual é considerada a terceira mais avançada do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
O Brasil é um país perigoso para as mulheres e o não cumprimento do que está legislado tem contribuído muito para números cada vez mais alarmantes. Em 2018, houve uma pequena queda em homicídios dolosos em relação ao ano de 2017. Ainda assim, foram 4.254 mulheres mortas no ano passado. Já o crime de feminicídio subiu 12%, ou seja, 1.173 casos em 2018 contra 1.047 do ano anterior, segundo o “Monitor da Violência” uma parceria do G1 com Núcleo de Estudos de Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Simplificando: uma mulher é morta a cada 2 horas no Brasil. O Ceará foi o segundo estado que mais matou mulheres em 2018. A vergonhosa vice-liderança se deu pelo homicídio de 447 mulheres no ano passado frente a 352 mortes registradas em 2017, um aumento de 27%.
Os números não acompanham a velocidade do crescimento dos ataques cada vez mais violentos que sofremos. É importante que esses dados sejam coletados com mais frequência e o poder público se comprometa em promover ações afim da redução desses percentuais. Não é pouco tempo. São 13 anos, 4.745 dias, 113.880 horas e nossos corpos continuam sendo violentados, nossos rostos desfigurados e nossas vidas ceifadas. Se a dívida do país com o povo preto é grande, avalie com as mulheres negras.
*gráfico: operamundi.uol.com.br

Publicitária. Movida por decibéis, apegada ao escurinho do cinema e trilha o aprendizado de ser uma mulher preta. Trabalhou em agências de Fortaleza e Salvador ao longo de 10 anos. Hoje responde pela Mídia na Set Comunicação, house da Educadora 7 de Setembro.