Maio está chegando ao fim e os lançamentos de dois artistas esse mês mexeram comigo.
No último dia 7, o presidente afirmou em uma entrevista que “o racismo no Brasil é coisa rara”. Dois dias depois, o Emicida lançou o clipe da música “Eminência Parda”. Dirigido por Leandro HBL e com participações de Dona Onete, Papillon e Jé Santiago, o vídeo narra a ida de uma família negra a um restaurante chique para comemorar a formatura da filha.
É de se imaginar o lugar: frequentado apenas por pessoas brancas. Também é possível prever as reações dessas pessoas ao verem quatro pretos no restaurante. E é perfeita a reprodução da perturbação que causa uma família negra em pé de igualdade, respirando o mesmo ar e consumindo como qualquer cidadão. É de embrulhar o estômago.
Logo essas pessoas assumem o seu “verdadeiro lugar” na visão da branquitude. Em quase seis minutos, viram quadrilha de assaltantes, faxineiros, se prostituem, se drogam. São alvo de revolta, chacota, olhares de desprezo. A fantasia [já tão frágil] de que o Brasil é o país da democracia racial é rasgada de uma ponta a outra. Sem meias palavras, sem eufemismos.
Para Emicida
A dor que o vídeo provoca, principalmente no final, é uma dor sobre a qual precisamos falar nesse momento. Porque nosso corpo está virando paisagem. Preciso falar sobre essas coisas para que a gente consiga avançar e criar uma conexão autêntica. O vídeo fala sobre representação. Que lugares as pessoas pretas ocupam no seu imaginário?
Essa semana, policiais gravados colocando a arma na mão de um rapaz já morto e atirando pro lado, ou seja, fraldando a cena do crime, foram absolvidos. Vi o vídeo algumas vezes, assim como li a decisão do juiz. Ainda assim, você demora a acreditar como a violência policial segue exterminando nossos corpos tranquilamente.
Em “A gente se vê ontem”, Spike Lee põe o dedo nessa ferida e nos mostra em looping a prática corriqueira da Polícia de matar negros pelo simples fato de serem pretos. No filme, o rapaz segurava um celular. Aqui, na vida real, já vimos guarda-chuva, saco de pipoca e até carteiras serem “confundidos” com armas. A irmã do rapaz assassinado é um prodígio na ciência e tenta, com a sua recém-criada máquina do tempo, voltar para antes do acontecido e salvar o irmão.
Para quem achava ser um filme “Sessão da Tarde”, é bem mais. É mais que ficção científica. A pobreza, o racismo e o abandono de minorias estão presentes e nos fazendo reconhecer o dia-a-dia.
Acho que nosso principal objetivo é continuar a conversa sobre a brutalidade policial. Como uma sociedade, nós temos uma tendência às vezes de deixar as coisas fluírem e, então, elas desaparecem. Stefon e eu queremos dizer: ‘Ei, enquanto estamos lidando com todos esses outros problemas, lembrem-se também que estes são problemas em nossas comunidades e ainda é algo em que precisamos nos concentrar e encontrar uma solução”
disse Frederica Bailey, uma das roteiristas, recentemente ao The Root durante a estreia do filme no Tribeca Film Festival.
Que a arte continue fazendo seu papel de tirar a venda dos nossos olhos e de trazer à tona nossas pautas.
O clipe de Eminência Parda está disponível no Youtube e já é possível assistir A Gente Se Vê Ontem na Netflix.
Publicitária. Movida por decibéis, apegada ao escurinho do cinema e trilha o aprendizado de ser uma mulher preta. Trabalhou em agências de Fortaleza e Salvador ao longo de 10 anos. Hoje responde pela Mídia na Set Comunicação, house da Educadora 7 de Setembro.