No Brasil, 67% dos presos são negros. Isso significa que a terceira maior população carcerária do planeta tem cor e endereço. É das comunidades pobres de onde saem esses sujeitos de direitos historicamente negados, de deveres historicamente exigidos e de existência historicamente invisibilizada.
Seja como vítima ou como autor de crime, é o homem negro quem prioritariamente consta nas fichas de delegacias e nos programas policiais. E esse índice de 64% só não é maior porque muitos desses detidos certamente sequer se enxergam negros, como tantos outros negros ainda “livres.”
Dizer que nossos presídios têm detentos com perfil bem definido não é exagero. A população negra resiste a séculos de abandono. Descaso que começou a passar por um processo de reversão com as políticas de inclusão sócio-financeiro-educacional dos últimos 14 anos. Mas que está longe de acabar.
Sem receber qualquer amparo do poder público ao fim da escravidão, a população negra permaneceu marginalizada. Dali em diante, porém, em caráter geográfico, quando passou a viver em periferias, e principalmente em caráter social, quando não teve, como muitas vezes ainda não tem, acesso ao básico. Por básico, me refiro ao mínimo mesmo: saneamento, escola com merenda pro filho, posto de saúde funcionando, o que comer, emprego decente.
O Estado brasileiro negou tudo isso e um tanto mais à população negra durante séculos. O muito que se fez no sentido da inclusão está longe de ser suficiente. Nas grandes favelas, a mão do Estado chega apenas para reprimir. Para bater. Para invadir barracos. Para prender. Para matar. Quase nunca para um afago. Quase nunca para garantir um direito.
Chega a ser irônico o Brasil ter mais da metade da população autodeclarada negra (pretos e pardos, conforme o IBGE) e essa mesma população muitas vezes passar desapercebida na formulação e na execução de políticas públicas. Irônico não. É sintomático. É praticamente o Estado brasileiro dizendo que lugar de negro é na cadeia mesmo. Nunca num cargo executivo de uma multinacional. Jamais na Presidência da República.
Quando o Estado brasileiro não estende às periferias os projetos que implementa nas zonas turísticas ou de maior concentração de riqueza, ele sinaliza para essa população que ela não é prioridade. Que ela não importa. Que ela busque meios próprios para existir.
Com isso, não tento aqui justificar qualquer ato criminoso cometido por sujeitos negros. Não é isso. Todo sujeito, seja ele da etnia que for, deve pagar pelo que faz e ser reinserido no seio social, apesar de todos sabermos que esse processo de ressocialização do detento é algo falido no Brasil. Mas o caso aqui é pensarmos: a quem interessa uma população negra emancipada? Quem ganha com isso?
Ou melhor: quem perde com isso? É melhor termos negros desassistidos, desinformados e encarcerados ou empoderados, com diploma de ensino superior e ocupando cargos de alto escalão? Por ora, há mais de 500 anos, o Estado brasileiro tem deixado bem claro o que pensa a esse respeito.
Mas e você?

Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.