O Núcleo das Africanidades Cearenses (Nace) é um projeto de extensão vinculado à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC) e parte da rede de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros. Tem como objetivo a investigação, discussão, produção e divulgação de trabalhos sobre a história, a cultura e a participação da população negra, tendo como eixo a cosmovisão africana de seus descendentes na diáspora.
A prioridade do Nace é sensibilizar e ampliar o alcance da Lei nº 10.639/03 junto aos educadores de cada nível e modalidade de ensino envolvido nos processos de formação, bem como promover mudanças qualitativas de posturas e comportamentos por meio da promoção de vivências, como capoeira angola, percussão e dança afro, formações, eventos e estudos.
Desde 2010, o Nace organiza o “Memórias de Baobá”, um encontro de formação realizado sob o baobá centenário localizado no Passeio Público, em Fortaleza. Na IX edição, em 2018, abordou o tema “15 anos da Lei nº 10.693: Pertencimento, Espiritualidade e Educação.”
De acordo com a coordenadora do Nace, professora Sandra Haydée Petit, o núcleo nasceu por volta de 2004 em função de uma ideia do professor Henrique Cunha, já trabalhando com as questões étnico-raciais. Após a promulgação da Lei nº 10.639, foi pensada uma forma de contribuir com a formação dos professores.
“A educação brasileira é muito eurocentrada. Ela ainda tem uma forte herança colonial. Então, ela se mantém na colonialidade. E colonizada não no sentido de ser uma colônia, mas a mentalidade, o conteúdo que são passados são muito eurocentrados, não levam em consideração as culturas, as contribuições e a produção de conhecimento da população negra. E das populações indígenas também. O conhecimento que nós adquirimos na escola sobre essas populações é ainda muito insuficiente”, destaca a pesquisadora.
Cubana e referência no estudo dos negros brasileiros, a professora ressalta que a luta dos movimentos negros para garantir o acesso à educação, dentre tantas outras lutas, a Primeira Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, em 1995, em Brasília, e o reconhecimento pela ONU da existência de racismo institucionalizado no Brasil foram ingredientes também para o surgimento dessa nova forma de organização dos pesquisadores negros.
“Esses Neabi não surgem por acaso. Eles surgem fruto de todas essas movimentações e eles se põem mais importantes por causa da Lei nº 10.639. Porque nesse momento passa a existir um suporte legal para mostrar a necessidade de se ter esses conteúdos na escola, no ensino básico, em todas as escolas”, explica.
Segundo a coordenadora do Nace, a maioria dos professores foi formada dentro dessa visão eurocêntrica, uma espécie de racismo institucional por desconsiderar a população negra, inclusive com visões distorcidas no material didático. O Núcleo concentrou esforços na questão do material didático e mais voltado para os currículos das universidades.
“Nós trabalhamos muito voltados para a questão do ensino básico e as fundamentações teóricas necessárias, nas questões de trabalhar conceitos de autoras e autores da população negra. Mas nós também vemos a importância de discutir os currículos do ensino superior. É uma questão muito discutida, restrita aos grupos, mas sem influência grande nos currículos”, lamenta.
Para Sandra Petit, as pessoas saem despreparadas da universidade e muitas vezes acabam contribuindo para a reprodução do racismo institucional e de atitudes que desqualificam a população negra. Além disso, a falta de conteúdo obrigatório por lei pode gerar alguns problemas como, por exemplo, um médico que desconhece as principais doenças que afetam a qualidade de vida da população negra.
“Há uma necessidade de reparação disso e essa reparação vai acontecer através de ações afirmativas. Ações que vão interferir para que haja uma diminuição dessa desigualdade racial, de oportunidades e de mais conteúdos equilibrados do ponto de vista cultural”, finaliza Sandra Petit.
TEXTO DE RAFAEL AYALA.
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.