Vou ser direto: a humanidade chegou a um ponto da própria trajetória que revisionismos históricos não são mais aceitáveis. CHEGA de nos depararmos com gente (especialmente as de grande capital político) negando a existência de episódios horrendos. CHE-GA!
O tempo no qual era proibido ou restrito o acesso a registros oficiais e documentações básicas ficou pra trás. Qualquer busca no Google nos coloca diante de milhares de comprovações irrefutáveis de períodos sanguinolentos e de extrema exclusão que nos antecederam. E devem ficar tão somente lá atrás, numa esquina de memória e como aprendizado para não haver repetição.
É grave estarmos no período de maior produção de conteúdo e pesquisas, e também de possibilidade de leituras, e nos depararmos com quem insiste em enxergar um lado benéfico INEXISTENTE na escravidão do povo preto. Ou desqualifica líderes do movimento negro que resistiram, no passado, e resistem, no presente. Ou vive para reforçar o estereótipo de brancos serem benevolentes conosco, os ditos vagabundos e escória maldita.
NÃO HÁ LUGAR para revisionismo histórico num mundo com tantas outras urgências. Se for de haver mudança em marco cronológico, que seja no sentido da reparação das violações de direitos, como no caso das vítimas da Ditadura. Até hoje, famílias não enterraram entes desaparecidos e precisam sim ser compensadas, nem que apenas de forma financeira, pois é função do Estado preservar a integridade física das pessoas em vez de matá-las.
Se é de ter mudança histórica, que seja para a ampliação de direitos. Para o futuro ser menos burro e intolerante. E com ações práticas, objetivas e inclusivas implementadas no presente. Qualquer fala no sentido contrário à garantia de direitos não passa de ladainha para confundir e dispersar. Cortina de fumaça.
Caso ainda não esteja evidente o que digo, que fique: revisionistas merecem esquecimento. Total e irrestrito, assim como fascistas e ditadores. Esses sim devem ser – PRECISAM ser – isolados socialmente. Para o bem da nossa existência. Porque eles são nada além do que forças do atraso.
Nós precisamos mesmo é desprender energia para a dona Mariazinha do Pirambu ou o seu Zé do Morro do Alemão terem o que comer durante a pandemia e onde ganhar dinheiro para continuarem comendo depois que o coronavírus “for embora” ou nos adaptarmos à nova realidade por ele imposta. Nós temos é que qualificar o debate sobre qual o melhor projeto de geração de renda pras famílias miseráveis do Jangurussu, da Rocinha e de Paraisópolis.
Urge que a gente pare de olhar pra fora, pra trás, pros lados ou pra qualquer outra direção que não PARA DENTRO. E para dentro da gente tem um organismo inteiro de desigualdades que precisam acabar. É inabitável um mundo onde ainda haja gente sem ter o que comer enquanto os ricos de Higienópolis despejam toneladas de restos de comida no lixo todo dia. Não dá!
E esse movimento imbecilóide de meia dúzia de gente com o poder na mão falando asneira o tempo todo em rede social só colabora pra essas desigualdades se aprofundarem mais e mais. Por isso, passou da hora de as empresas de comunicação, quase todas CONCESSÕES PÚBLICAS, praticarem a verdadeira prestação de serviço público e deixarem de abrir espaço para quem nega fatos históricos como o holocausto, a escravidão e outras vergonhas do passado.
NÃO É papel de telejornal nenhum abrir o microfone para esse tipo de posicionamento. E isso está longe de ser censura, antes que alguém levante esse argumento. Disseminar fake news não é liberdade de expressão. É crime. Negar fatos históricos para posicionar-se a favor de novos anos ditatoriais não é liberdade de expressão. É crime. Usar cargo público para oprimir minorias, seja em discursos oficiais ou conversas de gabinete, não é liberdade de expressão. É crime.
BASTA de conivência com esse tipo de comportamento! Também BASTA de fingirmos que nada acontece quando temos âncoras de telejornais flagrantemente envolvidos em escândalos racistas escalados por grandes emissoras para comentarem protestos antirracistas. CHE-GA!
A escravidão existiu SIM! E NÃO FOI benéfica ao povo preto em NENHUMA circunstância, nem para os que depois dela nasceram. Além disso, Zumbi dos Palmares é um líder negro SIM, foi fundamental para o movimento abolicionista SIM e vai ser reconhecido por isso SIM. E nós vamos celebrar a consciência negra SIM!
O povo preto leva o Brasil nas costas há séculos. Se somos hoje a imensa nação que somos, a potência que somos, o relicário de sonhos que somos, tudo isso é graças ao suor do povo preto. Suor e sangue. E membro de governinho chinfrim nenhum vai apagar isso da história. Ela é dona de si e fala por si, enquanto imbecis tentam reescrevê-la conforme seus próprios (e escusos) interesses. Em vão.
No fim de tudo, sabe-se lá em quanto tempo, vai prevalecer a história já comprovada. As verdades que todos sabemos e muitos fazem de conta estarem só em páginas de livros. O tempo sempre preserva, por mais que muitos, inconformados com a libertação intelectual da negritude, se revoltem.
O povo preto merece ocupar o papel que lhe é de direito na história: o de protagonista. Mas tem gente disposta a ser sempre coadjuvante.
Nós? Não. Entre ser preto da escória e representante de um governo xexelento, eu permaneço na primeira opção. Sem titubear. E com um orgulho imenso de ter a pele escura. A alma escura. Sou preto por dentro e por fora.
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.