Quando falei que era africano, lembro que isso causou um espanto. E esse espanto também me causou espanto. Porque parecia que a África era uma coisa muito distante. No decorrer dos anos, eu percebi que algumas coisas tinham relação direta com o fato de eu ser negro, principalmente com o fato de ser estrangeiro. Ouvir que a gente vinha pra cá pra tomar vaga era algo recorrente. O fato de eu ser estrangeiro, e estrangeiro da África, fazia com que as pessoas fizessem perguntas me colocando como uma figura que tinha somente a aprender e nada a acrescentar. A branquitude não quer perder privilégios. Manter a branquitude é manter privilégios. E a branquitude nunca esteve preparada para perder privilégios.
Andy Khamidi, 30 anos.
Natural de Cabo Verde, na África.
Cursa o Mestrado Interdisciplinar em História e Letras da Uece.
—
Ser negro na universidade é não se enxergar nos professores. É não se ler nos livros. É não se reconhecer nos reitores e coordenadores, mas ver vários dos seus na portaria, como vigia, na zeladoria etc. É saber que aquele momento pode definir a sua vida e provavelmente o seu primeiro estágio. E saber que provavelmente o seu primeiro emprego será pago por alguém sem os seus traços de ancestralidade. Com essa visão de mundo, você luta todo dia e, assim, eu lutei e entrei no estágio mais concorrido da área. E o que vi lá? Apenas dois professores negros, nenhum gerente, nenhum coordenador. Mas lutei e consegui. Seja qual for o seu curso ou onde você cursa, a realidade é essa. Ser negro na universidade é resistir a cada aula, prova, trabalho, semestre e saber que ao sair de lá com seu histórico impecável a sua história tá na pele.
Vitor Albuquerque, 32 anos.
Graduado em Educação Física.
MBA em Gestão do Esporte.
Personal trainer.
—
Ser uma professora negra é ter um corpo e um posicionamento político de quem sabe de onde veio e sabe para onde vai. É ser fruto de uma trajetória coletiva de vida atravessada pela ancestralidade. Nesse sentido, eu sou a orientadora que orienta os voos de promissores(as) jovens intelectuais, especialmente negros(as). Eu sou a professora que diz “Insista, resista e invista no seu protagonismo feminino e negro”. Estar na academia é estar onde eu quero estar. Onde eu amo estar e de onde ninguém pode dizer que esse não é meu lugar.
Vera Rodrigues, 52 anos.
Doutora em Antropologia Social.
Professora da Unilab.
Coordena os projetos “Mulheres Negras Resistem: processo formativo teórico-político para mulheres negras” e “O apagamento do Negro(a) na Terra do Sol: rumos da educação e cultura afro-brasileira no Ceará”.
—
Quando entrei na universidade, era certamente menos negra e um pouco menos mulher, do ponto de vista de me reconhecer como tal e perceber como a minha existência na estrutura acadêmica modificava toda uma estrutura maior. Entender o lugar ocupado por mim, que pra mim sempre seria o dobro de dificuldade e do esforço para talvez chegar à metade do resultado foi um processo. É duro estar num lugar que não foi projetado pra você, onde você se vê muito pouco ou não se vê. Consegui acompanhar um pouco a transição da universidade de um lugar completamente avesso às minhas necessidades a um lugar de acolhimento e luta. Ser uma mulher negra na universidade é lutar todos os dias!
Silvelena Gomes, 24 anos.
Estudante de Publicidade e Propaganda da UFC.
Social Media.
Ilustradora.

Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.