Se é na infância que formamos nossas primeiras memórias, nas brincadeiras exploramos a nossa capacidade de interpretação do que vemos e sentimos.
Podemos inventar novos mundos, personagens e objetos, mas eles serão marcados por referências “reais”, uma vez que o espaço da brincadeira também reflete o que as crianças absorvem do universo adulto no qual estão inseridas. Portanto, quando brincamos, estamos também construindo a nossa versão da realidade.
Assim, os brinquedos são elementos fundamentais de mediação entre fantasia e vida prática. Projetamos neles o que a inventividade infantil nos permite realizar. Criamos relações de ternura, amizade e rivalidade. Nossos bonecos(as) são nossos filhos(as), nossos amigos(as), namorados(as), nossa família ideal. Os bonecos são o queremos ser.
Mas os brinquedos, sendo produtos de fora da imaginação, também transformam as crianças em consumidoras e, a partir daí, suas opções se limitam ao que está disponível nas prateleiras das lojas e ao seu poder de compra. Logo, a imaginação das crianças consumidoras se adapta, até certo ponto, ao que o mundo material lhes mostra como opção.
Recentemente, foi inaugurada, no centro do Rio de Janeiro, a loja Era uma vez o mundo, especializada em bonecas e bonecos negros. A idéia partiu da historiadora e educadora Jaciana Melquiades, inspirada pelo desejo de que crianças negras como o seu filho (e a que ela própria foi) pudessem ter brinquedos que refletissem etnicamente a sua identidade, produtos raros no mercado, já que, segundo pesquisa da ONG Avante, apenas 6,5% dos bonecos fabricados pela indústria nacional são negras. Iniciativas semelhantes já foram realizadas no Ceará pela AMA (Associação das Mulheres em Ação, do bairro Mondubim, em Fortaleza), no projeto Rainhas Candaces; e pelas mulheres da comunidade quilombola de Alto Alegre, localizada no distrito de Queimadas, em Horizonte.
Empreendimentos como esses são fundamentais para a concepção de uma sociedade inclusiva para a população negra. Além de serem idealizados e produzidos por mulheres e da característica artesanal e representativa dos brinquedos, há uma preocupação comum de associação desses bonecos(as) a histórias relacionadas à sua ancestralidade, o que lhes permite um envolvimento mais profundo (e positivamente afirmativo) da criança com esse brinquedo, fazendo a experiência da brincadeira ser uma vivência ainda mais completa de identificação com a negritude.
Os produtos da Era uma vez o mundo podem ser comprados pelo site da empresa. As bonecas quilombolas são vendidas localmente no Centro Cultural e na feira popular de Horizonte (CE) e através do projeto Tear Comunitário. Já as Rainhas Candaces podem ser encontradas no Centro de Artesanato do Ceará (Ceart).
Imagem: Divulgação/Era uma vez no mundo
Na Astrologia acadêmica, é Comunicação Social com ascendente em Publicidade em Propaganda. Lua em Design Gráfico (sol também). Trocadilhos à parte, busca refazer (desfazendo) os caminhos da diáspora negra através dos mares profundos dos afrossaberes.