Em 2010, o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) contabilizou 157 comunidades quilombolas no estado. No entanto, a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Ceará (Cerquice) identificou 85. Certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) são apenas 49. É de competência da FCP a emissão de certidão às comunidades quilombolas. O que explica a diferença entre os números?
O número de comunidades contabilizadas pelo MDS se deu por meio do Cadastro Único, um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, permitindo que o Governo Federal conheça melhor a realidade socioeconômica dessa população. A partir desse cadastro foram identificadas 157 comunidades quilombolas.
As 85 comunidades identificadas pelas Cerquice não retratam o número total, apenas contabiliza os grupos encontrados pela Coordenação, com suas limitações de atuação, como insuficiência de recursos e de equipe. O processo de certificação pela Fundação Cultural Palmares é o primeiro passo para a titulação definitiva da terra pela comunidade.
De acordo com a professora Zelma Madeira, nenhuma comunidade quilombola conseguiu a titularidade de seus territórios, mas algumas estão com o processo mais perto da finalização. São elas: Comunidades Encantados do Bom Jardim, Brutos e Lagoa das Pedras em Tamboril; Sítio Arruda em Araripe; Comunidade de Base em Pacajus; Alto Alegre em Horizonte; Três Irmãos em Croatá; Serra dos Chagas em Salitre e Minador no município de Novo Oriente.
Doutoranda e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Sâmia Paula dos Santos Silva tem se dedicado a estudar as questões relacionadas à memória e à identidade da comunidade quilombola de Bastiões, localizada no município de Iracema, distante 285 quilômetros de Fortaleza, de onde é natural.
“As comunidades quilombolas, atualmente, lutam para existir de forma que sua herança cultural e de resistência histórica seja considerada pela sociedade, ao mesmo tempo em que suas populações atuais precisam ser destacadas como produtoras de culturas com experiência adquiridas e passadas às gerações seguintes, através, principalmente, da oralidade. Vale ressaltar que essa também é uma prática muito vista nas sociedades africanas bantu”, explica a estudiosa.
Sâmia explica que os quilombos estão presentes no Ceará desde sua formação no período colonial, constituídos por africanos que lutavam por liberdade e vinham de fazendas de estados vizinhos. “No território cearense foram muitas formas de exploração do trabalho escravos, dentre tantas, destacamos as produções de gado e seus derivados, como couro e carne do sol, algodão, os engenhos de cana de açúcar e as construções rurais e urbanas“, complementa.
“Falar das comunidades quilombolas do Ceará é falar de invisibilidade. Então, nós temos necessariamente de dizer que essas comunidades, o povo negro como um todo, e os quilombolas, que na grande maioria são os povos negros rurais, eles passam por um grande problema: a invisibilidade. Precisamos de um mapeamento, de uma cartografia, localizar, quantificar”,
afirma a professora Zelma Madeira.
Segunda a professora, a população negra urbana e rural e as comunidades se ressentem desse discurso de invisibilidade. “Se não existe, não tem memória, não preciso recordar. Se não preciso recordar, não vou ver as vulnerabilidades, não vou ver as desigualdades sociorraciais, não vou ver nada. Se não vejo nada, não tenho problemas. Se não tenho problema, não tenho por que pensar políticas públicas”, problematiza.
Para Sâmia, quilombola da Comunidade dos Bastiões, a resistência das comunidades negras nasce praticamente junto com a história do Brasil, persistindo até os dias atuais com a sobrevivência social e cultural das comunidades quilombolas e periféricas do Ceará, por meio de outros elementos da manutenção das tradições.
Para Zelma Madeira, como aspecto positivo, temos o recebimento das pautas dos povos e comunidades tradicionais, que se formam a partir de uma pertença racial e étnica, pelo governador Camilo Santana. “É importante a dimensão da memória para fortalecer a consciência negra e a gente poder resistir. Essas histórias dos quilombos no Ceará vão ser muito importantes se forem recuperadas porque vão de encontro ao discurso ideológico de que no Ceará não tem negro”, destaca. (Textos: Bruno de Castro e Rafael Ayala/ Mapa e ilustrações: Jéssica Carneiro)
Jornalista. Alma de cronista, coração de poeta. Tem experiência em Assessoria de Comunicação. Apaixonado por futebol, boas histórias e fim de tarde.