Peço licença e atenção. Este texto contém gatilhos emocionais sobre saúde mental e reconhecer estar adoecida/o. Se esses assuntos te interessam hoje, recomendo que leia primeiro o especial Vidas Negras Importam. Preferindo permanecer aqui, confia no teu ritmo de desconforto para continuar.
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Durante as voltas da academia ou logo depois de sair de um banho nessas semanas, fiquei cantando Belchior (Pequeno Mapa do Tempo). “Eu tenho medo e medo está fora, medo anda por dentro do meu coração”, repetia até errar ou chegar na minha parte preferida: “Eu tenho medo de abrir a porta que dá pro sertão da minha solidão […]”. E assim seguiram os dias sem eu saber do porquê se repetia esse ritual. Continuo não sabendo, mesmo me perguntando sobre essa repetição.
Mas lembro que por volta de um ano atrás estava num atendimento como estagiário. Quem atendo está comigo há alguns meses, passeando sobre temas como se sentir constantemente fora do lugar, falar em público, estar fora de casa por tanto tempo, solidão – àquela que parece de Belchior, um “sertão solidão.”
O tema mais central era o medo de enlouquecer. Meu corpo parece reagir como se fosse só olhos, ouvidos e garganta. “Quem não tem medo de não se reconhecer mais? Ficar dependente de medicamentos ou de alguém para dizer ‘sou eu’?”. A sessão foi intensa, com histórias de loucura na família. Tanto medo e raiva, mas também uma tal liberdade em finalmente se deixar perder. Ser louco e pronto. Sinto aqui comigo: esse medo persistente e premonitório, ironicamente, não é pra dizer o que já está acontecendo?
Essa pergunta não parece boa o suficiente. Imatura, mas justa. É difícil olhar e reconhecer o que assusta, o que dá medo. Vem uma vontade de virar o rosto, fugir. Talvez o mais difícil seja não esbarrar nisso, nesse grande elefante no meio da sala que sempre encontra o dedo mindinho do pé.
Eu, pessoalmente, tenho um medo. De correr olhando para trás, uma falsa sensação de direção. De não querer ficar, daí fugir até que correr seja um sempre por um tempo. De dar essa agonia de cansaço do mesmo, mas o que só sei fazer. De se já não deveria estar pronto, digo eu. Acho que o medo é um vulto no canto da minha parede que dá vontade de vez em quando conferir. Não sei se você está entendendo, na verdade. Será que o medo é aquilo que dá de não ser entendida/o quando sentimos solidão?
Lembro de novo do medo de tomar medicação psiquiátrica que notei em algumas pessoas que acompanhei. Às vezes, isso explode em desconforto de começar, continuar e parar a medicação. “Isso que tô passando é medicamento, a insistência da doença ou eu mesmo?”. Por outra/o, sinto uma quebra de imagem que se tem de si. “Experimenta: se você fosse realmente você, como seria e o que faria? Logo de início, se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara”. Na sinceridade, não queria Clarice Lispector aqui, mas isso da mentira que nos acomodamos […] é para viver, não é?
Voltando para aquelas situações de quem está no dilema de medicamento psiquiátrico, a medicação seria um falseamento, iludindo quem achamos que somos, como apetite, sono e o que se sente? Desde antes, seríamos um falseamento daquelas mentiras que nos acomodamos? “Se eu fosse eu (…)”. Rindo, lembro de RuPaul, “We born naked and the rest is drag”/”Nascemos pelados e o resto é drag”. Para mim, dá um alívio, isso.
Nem todo dilema sobre medicação psiquiátrica é esse que eu trouxe e, ainda, nem sempre o medo precisa ser destruído. Quem sabe o que ele sustenta? E se ele não for exatamente a parede? Sinceramente, eu não sei de você, mas quando for possível olhar de frente para o vulto-medo das minhas paredes, ele já não vai ser o mesmo.
Esse é um exercício para suar.
Cuidador online, psicólogo clínico e acompanhante terapêutico. CRP 11/15308. @maianetopsi
1 comentário
Ótima postagem. Estou visitando constantemente este
site e estou apaixonada! Dicas e posts muito legais.
Obrigada, já virei sua leitora 😉