A Câmara de Vereadores de Fortaleza aprovou na última quarta-feira (5/8) projeto que institui o Estatuto Municipal de Promoção da Igualdade Racial. A matéria foi votada no plenário da casa inaugurando o retorno das atividades presenciais do legislativo após o hiato causado pela pandemia do novo coronavírus.
De autoria do vereador Iraguassu Filho (PDT), a iniciativa é louvável. Mas deve-se destacar que o texto nasce com um atraso de dez anos em relação à Lei Federal criadora do Estatuto da Igualdade Racial, datada de 2010. E é justamente essa legislação federal que norteia o dispositivo legal para a capital cearense.
Ou seja: Fortaleza, uma cidade majoritariamente autodeclarada negra, ficou uma década inteira sem lei específica para a elaboração e implementação de políticas públicas afirmativas e de garantia de direitos da sua população mais vulnerável.
Porque sim, caso você não saiba, a população negra, composta de pessoas autodeclaradas pretas ou pardas, é a mais vulnerável da cidade. Do Ceará. Do Brasil. São as famílias negras que estão nas periferias cujo serviço público é mais precário (ou, muitas vezes, sequer existe).
Mas óbvio. A inexistência de um estatuto como o aprovado essa semana não inviabiliza nem impede a Prefeitura de formular e colocar em prática projetos para melhorar a qualidade de vida da população mais vulnerável. No entanto, quando algo está expresso em lei, nós saímos do campo da possibilidade e passamos ao campo da obrigação. Com sanções, inclusive. Daí a importância do passo dado agora.
É preciso dizer também que o projeto demorou um ano e três meses para ser aprovado. UM ANO E TRÊS MESES. QUATROCENTOS E CINQUENTA E CINCO DIAS. Foi protocolado e iniciou tramitação em maio do ano passado para só agora receber o aval dos vereadores. Espera curiosa, visto a agilidade de algumas matérias quando são de interesse do alto escalão do Legislativo e Executivo municipais.
Com o estatuto, a Prefeitura terá de criar medidas reparatórias e compensatórias para a população negra fortalezense. É preciso assegurar igualdade de oportunidades entre as etnias. Algo, portanto, no extremo oposto do que temos hoje, com brancos sendo privilegiados e negros marginalizados.
A expectativa é de que medidas comecem a ser implementadas ainda este ano, a partir de outubro. Caso seja respeitado e cumprido, o estatuto será um mecanismo importante para uma cidade que historicamente rejeita a herança negra e incute na cabeça dos seus habitantes que “aqui não tem preto”, como todos ouvimos dentro de casa desde bem cedo.
É urgente que normalizemos a presença de pessoas negras nos mais variados espaços. Chega de pretos e pardos ficarem relegados a regiões periféricas enquanto brancos gozam da qualidade de vida que Fortaleza tem a oferecer.
A cidade é de todos.
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.