Num primeiro momento, é normal imaginar que o livro “Com qual penteado eu vou?” fale sobre como deixar os cabelos crespos ainda mais charmosos de variadas maneiras. No entanto, a obra vai além disso. Kiusam de Oliveira fala sobre ancestralidade, diversidade, gênero, sororidade, virtudes e amor.
A autora escreve desde os quatro anos de idade. Foi incentivada pela mãe, de quem ganhou uma bolsinha com lápis e sugeriu que ela “anotasse tudo o que era vivido”. O reencontro de família que inspirou a obra, por exemplo, reuniu quase 300 primos de Kiusam e aconteceu em fevereiro de 2020, antes da pandemia. “Quando eu trago a questão do cabelo, falo sobre a ancestralidade, que é um tema que não se esgota. E é importante trazer a cultura afro-brasileira fundamentada na África”, diz.
No livro, a pequena Aisha se prepara para o aniversário de 100 anos do bisavô Benedito. A festa será no quintal de casa, com belas decorações, muita música e o mais importante: a presença de toda a família. Animada, a garotinha conversa com os primos sobre penteados e pede para a mãe fazer nela um muito bonito, para deixar seu bisa feliz.
Quando os convidados chegam, tudo fica mais especial. Cada um dos 12 primos leva de presente uma virtude: Monifa, a generosidade; Kwame, a sensibilidade; Amara, a dedicação; Olamilekan, a espontaneidade; e muitos outros. “Nas comunidades africanas, as virtudes são consideradas presentes para os seres humanos. É algo que faz parte de nós e de nossa história. Quando falamos em virtude, estamos falando também sobre ancestralidade”, afirma Kiusam.
Ao longo da narrativa, o leitor encontra ilustrações de crianças negras, penteados e diversidade. Adofo, por exemplo, é albino; Abidemi tem vitiligo; Olujimi tem síndrome de Down. A autora, que tem tios e outros parentes com as mesmas características, desejava vê-los representados na literatura. “É importante que as crianças tenham a consciência de que todas as pessoas têm valor. As diferenças de rosto, cabelo, nariz, precisam ser valorizadas e apreciadas, pois carregam história.”
O livro ensina também o significado e a origem dos nomes de cada primo e prima. Por exemplo, Jafari significa “digno” em Suaíli, e tem origem na África Oriental; Ayana significa “linda flor” em Amárica, com origem na Etiópia; Kwame significa “nascido no sábado” em Akan, com origem em Gana. “Para a criança, é fantástico aprender que seus nomes têm significado. Isso pode despertar o desejo de questionar seus pais, iniciar uma bela conversa sobre histórico familiar e até mesmo chegar à reconstrução da árvore genealógica”, afirma Kiusam, cujo nome significa Rainha da Noite.
Para a autora, o nome é algo poderoso que carrega uma história e uma energia. No entanto, hoje em dia é difícil para o negro aprender mais sobre sua ancestralidade observando o próprio nome. “Diferentemente dos descendentes de europeus, que conseguem descobrir sua linhagem pelo sobrenome, nós não conseguimos saber. Quando o negro chegou ao Brasil para ser escravizado, foi desterritorializado e perdeu o seu nome. Isso é algo que faz uma diferença tremenda no nosso histórico. Por isso, é tão importante trazer um maior repertório de nomes africanos para o território brasileiro.”
Com uma deliciosa narrativa e belíssimas ilustrações, Com qual penteado eu vou? ensina e promove reflexões necessárias à sociedade sobre vínculo familiar, respeito, amor, diversidade, sororidade e ancestralidade. A obra tem ainda apresentação da atriz Taís Araújo: “é preciso conhecer de onde viemos para entender quem somos e traçar o caminho que seguiremos.”
SERVIÇO
Obra: Com Qual Penteado Eu Vou
Autora: Kiusam de Oliveira
Ilustração: Rodrigo de Oliveira
Preço: R$ 49
O Ceará Criolo é um coletivo de comunicação de promoção da igualdade racial. Um espaço que garante à população negra afirmação positiva, visibilidade, debate inclusivo e identitário.