A vida do brasileiro médio tem se resumido a isto nos últimos anos: acordar, tomar café e ler uma notícia ruim. Hoje, como mais uma vez, eu acordei colérica com meu país. Muito enraivecida. Ainda faltam 3 meses para 2019 acabar, mas a sensação é de que o apocalipse supremacista já acabou com o planeta e estamos presos em uma distopia junto com a família Bolsonaro. Ao abrir os noticiários e ler o desenrolar do caso Ágatha Félix, que há dias vem sendo repercutido na imprensa e nas redes sociais (MUITO JUSTAMENTE, diga-se de passagem), eu me deparo com um sentimento de indescritível cólera e impotência, que me fazem cerrar os dentes e querer socar todos os conhecidos que tiveram a indecência de eleger estes que aí governam.
Tatiana quis, nestes últimos dias, publicar aqui no CC (como carinhosamente nos referimos ao nosso portal e coletivo) a linda notícia de que o ator Jharrel Jerome recebeu um Emmy de Melhor Ator por sua atuação em “Olhos que Condenam”, mas a sensação de anestesia que nos acomete diante de tantas notícias ruins é paralisante. Ela nos confessou que não conseguia escrever o que fora. Ao mesmo tempo, lembramo-nos a razão de estarmos aqui, fazendo o que a duras penas seguimos fazendo:
REINVENTAR O QUE SIGNIFICA SER NEGRO no Brasil (e no mundo).
Bruno e eu, assim, concordamos que de notícias ruins e detratoras do nosso povo, os meios de comunicação já estão cheios, e que tampouco seguiríamos sendo porta-vozes de nossa própria destruição. Este, mais do que um compromisso pessoal, é um compromisso ético e político. A cada vez que somos bombardeados assim por notícias que nos deixam miseráveis por dentro, somos imediatamente lembrados do por que estamos aqui e por que fazemos o que fazemos.
Comunicar sobre, por e para negros é muito do que um simples entretenimento e uma bandeira pseudo-ativista. É disputar as narrativas dominantes (embranquecidas, se faz falta deixar claro) que insistem em nos infligir um lugar de não-existência e de desumanidade. É reivindicar estar e SEGUIR vivos. Comunicar é conquistar reconhecimento, legitimidade; é empoderar e instrumentalizar outras existências. É isso o que nos move, para além de qualquer coisa.
E por esta mesma razão quase nunca se mostra uma tarefa fácil de executar. A sensação é de estar constantemente em um campo de batalha, em que a qualquer momento podemos ser vencidos ou mortos. A internet é, a espelho da vida, um fronte de combate em que é preciso afirmar-se, reivindicar e LUTAR, mas entendendo, sobretudo, como e onde lutar. Decidimos, como visão central do CC, reportarmos notícias, opiniões e quaisquer outras formas de conteúdo que andem justamente na contramão de maximizar o que já nos parece cristalizado na sociedade: o lugar de subalternidade do povo preto. Nossa inconformidade é expressa, ao contrário, no empenho em exaltar, visibilizar, ressignificar a experiência de ser negro.
Entendemos que esse mundão aí da internet é também um espaço habitado por imaginário e repertório sociais que precisam ser disputados, reinventados a nosso favor. É preciso recriá-la com novas narrativas, com mais vozes, com mais polifonia, com outros imaginários. A história oficial já está repleta de obras (ficcionais ou não) que carregam até os dias atuais o falso fardo da negritude. Não podemos mais compactuar neste acordo. É preciso recriar.
Reinventar ser preto é urgente.
Cada um que encontre sua forma de lutar contra o racismo (e as demais formas de opressão, que vale lembrar, estão sempre conjugadas), tendo em mente que É PRECISO LUTAR. Usemos toda a cólera e a indignação de que nos servem este desgoverno e esta sociedade adoecida como combustível para furar o sistema sociopolítico que insiste em nos excluir e exterminar. REINVENTEMO-NOS e assumamos este compromisso.

Publicitária cearense. Canceriana. Doutora e mestre em Psicologia. Amante da docência. Integrante do Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica (Paralaxe-UFC). Defendeu em sua tese de doutorado um estudo sobre mulheres em transição capilar. Atualmente, dedicada aos estudos de gênero, raça, feminismos negros e decolonialidade.
Louca por fotografia, design, viajar e colecionar carimbos no passaporte. Uma pessoa extremamente curiosa.