Considerado um dos maiores pensadores da Geografia no Brasil e dos grandes nomes da renovação da Geografia brasileira na década de 1970, Milton Santos (1926-2001) se dedicou principalmente a estudar a urbanização de países subdesenvolvidos e a globalização, identificando as perversidades do sistema capitalista nas estruturas sociais e apontando caminhos para um novo mundo.
Nascido em 13 de maio de 1926 em Brotas de Macaúbas (BA), filho e neto de professores primários, aos dez anos, passou em primeiro lugar e foi aceito como aluno interno do Instituto Baiano de Ensino, tradicional colégio de Salvador. Sua primeira formação acadêmica foi em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1948) e, posteriormente, o título de Doutor em Geografia pela Universidade francesa de Strasbourg, em 1958. Engajado politicamente desde muito jovem, criou o PEP (Partido Estudantil Popular) e a ABES (Associação Brasileira de Estudantes Secundaristas, uma alternativa à UNE – de onde pretendia ser candidato à presidência, mas foi aconselhado a trocar sua candidatura para vice, deixando a presidência para um amigo comunista, Mário Alves, a pretexto do argumento de que “um negro teria dificuldades em interagir com as autoridades”).
Até 1964, ano em que deixa o Brasil em razão do golpe militar, ele conduz paralelamente uma carreira acadêmica e atividades públicas. Jornalista e redator do periódico A Tarde (1954-1964), professor de geografia humana na Universidade Católica de Salvador (1956-1960) e catedrático na Universidade Federal da Bahia, onde cria o Laboratório de Geociências, será ainda diretor da Imprensa Oficial da Bahia (1959-1961), presidente da Fundação Comissão de Planejamento Econômico do Estado da Bahia (1962-1964) e representante da Casa Civil do presidente Jânio Quadros, em 1961. Suas pesquisas e publicações da época focalizam as realidades locais, principalmente da capital Salvador, cidade objeto da sua tese de doutorado, intitulada O Centro da Cidade de Salvador, assim como a região do Recôncavo. Durante o tempo em que permaneceu no jornal A Tarde, escreveu 116 artigos sobre a zona do cacau, a cidade de Salvador, Europa e África, entre outros temas locais e globais.
Durante o exílio, Milton foi professor convidado em diversas universidades, primeiro na França, em Toulouse, Bordeaux, Paris-Sorbonne e no IEDES (Instituto de Estudos do Desenvolvimento Econômico e Social), passando, entre 1971 e 1977, por Boston (Massachusetts Institute of Technology/Estados Unidos), Toronto (Canadá), Caracas (Venezuela), Dar-es-Salam (Tanzânia) e Nova Iorque (Columbia University/Estados Unidos). Esse período marca um grande progresso da sua produção teórica em Geografia, com a publicação do livro Les Villes Du Tiers Monde (ainda sem tradução para o português), em 1971, no qual estuda as peculiaridades da economia urbana dos países então chamados subdesenvolvidos, caracterizada por dois circuitos, superior e inferior, pesquisa que se desenvolve no livro L’Espace Partagé: les deux circuits de l’économie des pays sous-développés (1975), publicado em português em 1979 como O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana. O primeiro espaço, ao qual chamava de “rico”, seria constituído pelas empresas, pelos bancos e firmas de seguros. O segundo seria a economia informal, o comércio ambulante e os demais circuitos “pobres” da economia. A partir da Europa, seguiu para o seu primeiro contato com a África, e a compreensão dos dois continentes o inspirou a escrever Marianne em preto e branco (Marianne, figura feminina, simboliza a França), publicado em 1960.
A década de 1960 pode ser considerada como a época áurea de Geografia na Bahia, pois o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais representou uma proposta acadêmica renovadora, tratando a ciência geográfica como reflexão e não apenas como técnica. Além de atrair jovens vindos de todo o Brasil e da França, o Laboratório mantinha um fluxo intenso de atividades: trabalhos de campo, seminários, cursos, apresentações de trabalhos, leituras comentadas, reuniões científicas, em um ambiente de efervescência cultural de troca intelectual sem competições negativas. Estudos e diagnósticos sobre Salvador e o Estado da Bahia foram realizados pela equipe, a partir de solicitações de órgãos administrativos. Dessa forma, Milton Santos promove a Geografia ao status de disciplina nobre, aproximando-a da Política, da Economia, da História, da Sociologia e da Filosofia.
É desse tempo (entre 1959 e 1964) o Programa de Estudos Geomorfológicos e de Geografia Humana da bacia do Rio Paraguaçu, que teve o objetivo de contribuir para a melhoria das condições de vida das populações locais, realizado por solicitação da Comissão de Planejamento do Estado, com o apoio do Instituto Joaquim Nabuco de Pernambuco. Outro grande projeto foi o estudo sobre o uso da terra nas zonas cacaueira e ocidental do recôncavo, para o Serviço Social Rural, já com análise aerofotogramétrica. Nesse período também foram publicados mais de 60 títulos, livros e artigos de revistas, de autoria de professores brasileiros e estrangeiros.
Em Por uma Geografia Nova (1978), Milton Santos lança sua contribuição à efervescência e ânsia de renovação dessa ciência no Brasil e aproxima a Geografia das questões sociais. O espaço geográfico é então entendido como um produto da ação humana, sendo, portanto, um reflexo dinâmico de como a sociedade se comporta ao longo da História, com suas tensões, contradições e transformações. Nesse sentido, a Geografia proposta pelo autor provoca os estudiosos da área a se posicionar politicamente em relação à abordagem do tema, onde eles podem ignorar essas relações sociais que fazem parte do espaço para justificar a ordem existente ou aprofundar as possibilidades de análise desses fatores, investigando suas questões problemáticas e condições de desconstrução. Se antes, a partir da “Nova Geografia” surgida após a Segunda Guerra Mundial, números, logarítmos e probabilidades pareciam suficientes para explicar os fenômenos ambientais, agora se defende uma reflexão interessada especialmente no bem-estar do sujeito humano dentro do espaço, em que a ciência esteja a serviço da restauração da sua dignidade.
Em 1979, dois anos após seu retorno ao Brasil, o geógrafo retoma sua carreira acadêmica na Universidade Federal do Rio de Janeiro até 1983, ano em que ingressa por concurso na Universidade de São Paulo, assumindo o cargo de professor titular de Geografia Humana até a aposentadoria compulsória, quando recebe o título de Professor Emérito em 1997, continuando a pesquisar, publicar e orientar estudantes até o final de sua vida. Doze universidades brasileiras e sete universidades estrangeiras lhe outorgaram o título de Doutor Honoris Causa. Em 1994, recebe o Prêmio Internacional Vautrin Lud, tido como equivalente ao prêmio Nobel de Geografia.
Sua principal obra, publicada pela Hucitec (SP) em 1996, A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção, aprofunda o conceito de espaço geográfico dentro do contexto das mudanças sociais e econômicas do mundo no decorrer do tempo, onde o passado necessariamente constitui o presente, em movimentos cíclicos. O autor reflete sobre como a evolução das técnicas de produção de riqueza interfere diretamente no espaço e no tempo, produzindo cenários diferentes, mas não independentes entre si. A técnica pode, inclusive, estabelecer relações de dominação entre espaços, no modo como, por exemplo, países mais desenvolvidos exploram países menos desenvolvidos do ponto de vista tecnológico. Há também a possibilidade de diferentes técnicas, referentes a épocas variadas, coexistirem em um mesmo espaço, pois o surgimento de uma nova técnica não necessariamente elimina sua antecessora, e é entendendo esse sistema de relações que se pode interpretar as relações sociais existentes ali. Espaço, tempo e técnicas tanto convivem juntos quanto modificam o próprio espaço. Aqui, o processo de globalização estabelece, no chamado “meio técnico-científico-informacional”, alguns paradoxos entre as interações local-local e local-global. De um lado, há um esforço do mercado para a quebra das fronteiras territoriais, facilitando assim o fluxo global do capital e, de outro lado, forças nacionalistas agindo no sentido de desconectar politicamente determinados espaços, transformando-os em territórios independentes. Nesta obra, compreende-se que o conteúdo geográfico se faz de elementos contraditórios e divergentes, mas que se relacionam e não se dissociam.
Deixando um legado intelectual sem precedentes na sua área de atuação, Milton Santos rompeu barreiras e ousou repensar e ressignificar a Geografia Crítica brasileira, expondo vulnerabilidades dos paradigmas tradicionalmente aceitos pela comunidade científica e visibilizando as populações mais pobres, personagens antes ocultos dessa literatura. Felizmente, seu trabalho foi bastante reconhecido em vida, ainda em que dentro do circuito específico da Geografia, servindo de referência para novas produções até hoje. Expandir as fronteiras desse reconhecimento é importante para que fique ainda mais evidente a potência intelectual do povo negro nas mais diversas áreas do saber.
Fontes:
http://www.miltonsantos.com.br
http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-124a.htm
https://pt.wikipedia.org/wiki/Milton_Santos
https://jornalggn.com.br/blog/iv-avatar-do-rio-ooooooooo/a-obra-de-milton-santos
http://e-revista.unioeste.br/index.php/pgeografica/article/download/9174/6779
http://www.observatorium.ig.ufu.br/pdfs/8edicao/n21/8.pdf
http://www.seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/15867/8962
Na Astrologia acadêmica, é Comunicação Social com ascendente em Publicidade em Propaganda. Lua em Design Gráfico (sol também). Trocadilhos à parte, busca refazer (desfazendo) os caminhos da diáspora negra através dos mares profundos dos afrossaberes.
1 comentário
É interessante fazer uma leitura do Milton Santos pessoa, gente que enfrentou desafios monstros para chegar ao lugar de importância que chegou e ser reconhecido no Brasil como grande contribuidor. Infelizmente esse processo de reconhecimento acontece de fora (exterior) para dentro (Brasil), mas se constitui em mais uma grande personalidade no nosso acervo negro no sentido de oposição a qualquer valorização unicamente de brancos.