“O atual perfil de quem mais morre no Estado se mantém o mesmo no passar dos anos. São homens negros, de 15 a 29 anos de idade, com baixa escolaridade e renda.”
É com a transcrição desse trecho de uma reportagem do jornal Diário do Nordeste dessa quinta-feira (1º/11) que faço questão de começar este artigo sobre uma questão social tão grave. Os assassinatos têm sido um desafio para todas as esferas públicas brasileiras.
Nos últimos dez anos, o Ceará contabilizou 33 mil homicídios. Fortaleza é hoje a capital onde mais jovens são mortos. O problema é crônico em bairros como Conjunto Ceará, Granja Lisboa, Siqueira, Antônio Bezerra, Bela Vista e Parque Iracema.
O que eles têm em comum? Todos são de periferia.
E onde moram a maioria das vítimas de homicídio do Ceará? Nas periferias.
E qual o perfil majoritário do morador de periferia? A população negra.
Um povo secularmente esquecido por governos sem programas de inclusão social ou com iniciativas incipientes que se acumulam e pouco pagam uma dívida histórica do Estado com o povo preto.
Ao contrário do que o presidente eleito pensa, essa dívida existe. Está longe de ser extinta e é bem fácil de compreender. Éramos milhares de negros. Escravos que nunca tiveram acesso a educação, sem casa própria, sem capacitação profissional, nada. Liberto após anos de resistência e luta, esse povo não recebeu qualquer suporte governamental.
Ficou à própria sorte.
E foi relegado às periferias e à cadeia, onde está em maioria até hoje.
É o homem negro e jovem tanto o que mais morre quanto o que mais mata no Brasil. Um diagnóstico sintomático. Bem verdade é que a participação de mulheres em crimes aumentou significativamente nos últimos anos. Mas ainda é o sexo masculino o mais exposto ao homicídio, especialmente o doloso (quando há intenção de matar).
Isso se explica em parte pela nossa formação patriarcal e machista. O homem sempre foi visto como o sujeito que tinha de ir pra rua, trabalhar duro, prover o lar, o chefe de família, enquanto a mulher era pra estar recolhida, preocupada tão somente com o ambiente doméstico. Tinha, portanto, menos chance de expor-se a perigos.
O fato é que pela exclusão histórica da população negra, o presídio acabou sendo o espaço mais comum de pertencimento (forçado, diga-se) dela. Inclusive no imaginário popular. Nós temos hoje uma população carcerária das maiores do mundo. E um percentual imenso de detentos pretos.
O mesmo vale para os cemitérios.
Já diriam Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette: “a carne mais barata do mercado é a carne negra.”
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.