Por Diego Rogério – Graduado em história (UVA), professor da educação básica na rede privada e integrante da Rede de HistoriadorXs NegrXs
O Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas, durou mais de cem anos, de 1590 até 1695, no mínimo. Trata-se da maior rebelião e da manifestação mais emblemática dos quilombos coloniais. Por todo século XVII, resistiu às investidas holandesas e portuguesas. Foi uma experiência societária que durou mais tempo do que a União Soviética (1922-1991).
Ao mesmo tempo que enfrentou as expedições repressivas, promoveu assaltos em engenhos e negociações nas povoações vizinhas, bem como estimulou fugas em massa de escravizados naquela capitania. Zumbi foi o último líder de Palmares, descendente dos guerreiros imbangalas ou jagas, de Angola.
Zumbi transformou o povo de Palmares em espadas forjadas contra o mundo da escravidão, pois só houve resistência por terem desejado o fim de sua existência. A influência de Palmares na história do Brasil inspirou diversos movimentos e eventos. A liberdade e o respeito à humanidade da gente negra, razão de tantas lutas no período escravista e no pós-abolição, aproxima todos eles. Por decisão própria ou não, muitos desses levantes ocorreram e ocorrem em novembro, que, desde 1971, passou a representar o mês da Consciência Negra.
E já que novembro não se resume a falar sobre Palmares, que tal recordar alguns outros acontecimentos da nossa história?
No dia 10 de novembro de 1904, ocorria no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, um dos maiores motins urbanos da história do Brasil. Foram dias de revolta popular. Mais de quatro mil pessoas já tinham perdido a vida para a varíola quando o governo, por intermédio do sanitarista Oswaldo Cruz, determinou a vacinação obrigatória. Em tempos de popularização da eugenia, branqueamento e segregação, não foi boa ideia para um governo repleto de opositores poderosos fazer uso do autoritarismo para a erradicação da doença. O Rio implodiu com a Revolta da Vacina.
Além do surto de varíola, a revolta foi motivada por reformas urbanas e sanitárias impostas com muito autoritarismo. As medidas passavam por uma criminalização popular que, no limite, levaria à remoção do povo negro do centro da cidade. Expulso de suas casas, cortiços e até das ruas, o povo era empurrado para os morros e para os subúrbios, tendo muitas pessoas feito uso dos escombros das demolições do centro para a construção de suas novas moradias.
Novos Palmares surgiram da revolta. Morros e favelas perpetuaram o legado de um povo que se aquilombou. Um eco de Zumbi se elevou nas ruas na Revolta da Vacina: Horácio José da Silva, o “Prata Preta”, valente estivador e capoeirista.
Não se ouve falar sobre Prata Preta nos manuais escolares, mas é de conhecimento, entre quem vive o bairro da Saúde, no Rio, que sua liderança na resistência popular causou terror à polícia e ao exército, que tentavam controlar as ruas antes, durante e depois da revolta. Pela imprensa da época, foram necessários pelo menos cinco policiais e soldados para deter o líder popular.
Seis anos mais tarde, mais uma vez, o Rio de Janeiro, encarou outra história que marcou o mês de novembro. O dia de 22 de novembro de 1910 simboliza a ruptura entre os marinheiros e os castigos que a Marinha trouxe da escravidão. A cena de homens negros amarrados e castigados à vista de todos para servir de exemplo poderiam ter ficado no Brasil imperial e escravista, mas continuou acontecendo na República.
A certeza de que a violência no cotidiano do trabalho era um desrespeito confirmava-se quando esses marinheiros viajavam para a Europa, onde eram alertados sobre a truculência da Marinha do Brasil. Após a construção do encouraçado Minas Gerais na Inglaterra, o estopim para a Revolta da Chibata foi a brutalidade sofrida por Marcelino Rodrigues Menezes, o Baiano. No lugar das costumeiras 25 chibatadas, a tortura totalizou 250 repetições do mesmo gesto!
A Revolta da Chibata escancarou as permanências da escravidão num Rio de Janeiro que vivia os impactos das reformas urbanísticas que consolidaram a segregação denunciada na Revolta da Vacina, de 1904. Dessa vez, o protesto era feito com canhões apontados para a capital do Brasil. Os navios tomados pelos marinheiros após o castigo sofrido por Baiano vão aterrorizar o recém-empossado presidente Hermes da Fonseca, incapaz de lidar com os encouraçados que apenas os marinheiros sabiam controlar.
Dessa vez, os ecos de Palmares alcançavam o mar. A expressão mais conhecida dos combatentes atendia por João Cândido.
O “Almirante Negro” que liderou a luta pelo fim da chibata já descansa na ancestralidade há mais de quatro décadas, mas a Marinha continua em guerra contra sua memória, lutando contra o reconhecimento público de um dos maiores heróis do povo negro na história do Brasil.
No Quilombo dos Palmares, nas ruas da Revolta da Vacina e na Baía de Guanabara com os canhões da Revolta da Chibata, o legado de Zumbi se fez presente. E continuará enquanto houver vozes negras reivindicando vida e direitos. Em novembro e além. Em sua história e além. Por todo o Brasil. Aos Palmares e Zumbis.
*Este artigo compõe a Ocupação da Rede de HistoriadorXs NegrXs em veículos de comunicação de todo o Brasil neste 20 de novembro de 2021.

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