Eu era bem feliz de saber que o Rock’n Roll tinha por pai um homem negro. E me exibia por já ter visto Chuck Berry tocar monstruosamente sua guitarra aqui mesmo em Fortaleza. Isso foi há 10 anos. Há quem ainda viva na bolha ilusória onde esse pai é branco e tem o nome de Elvis Presley. Afinal, desfazer as mentiras históricas que o racismo dissemina é uma tarefa árdua. Numa conversa com um amigo roqueiro, ele me perguntou: tu sabe que quem inventou o rock foi uma mulher negra, né? Meu queixo caiu e corri para descobrir quem era essa mulher.
Sister Rosetta Tharpe nasceu em 1915, na cidade de Cotton Plant, em Arkansas, nos Estados Unidos, e aos 4 anos, guiada pela mãe e acompanhada por uma guitarra, fez sua primeira apresentação. Na juventude, influenciada pelo Jazz e Blues produzidos em Chicago, passou a mesclar música gospel com ritmos seculares. Teve um casamento abusivo com o pastor Thomas A. Thorpe e, após se separar, manteve o sobrenome, porém mudando a grafia para Tharpe, como ficou conhecida. Em 1938, foi a primeira cantora gospel a assinar com uma grande gravadora, a Decca Records. Sister Rosetta virou uma superstar. Rock Me e The Lonesome Road atingiram as paradas de sucesso do mesmo ano. Com seu jeito único de cantar e tocar guitarra, acumulou sucessos e casas lotadas. Foi uma das poucas mulheres negras a cantar para soldados americanos durante a guerra. Grava Down by the Riverside e Strange Things Happening Every Day num período de forte segregação racial.
Sua carreira foi paulatinamente ofuscada pelos novos artistas e, claro, pela crueldade do machismo e do racismo. Até que, a convite de Chris Barter, ela embarca para o Reino Unido e encanta os ingleses com sua maneira de se tornar uma só com a guitarra. Sua apresentação de 1964 em Manchester debaixo de chuva e frio é considerada histórica. O show aconteceu em uma estação ferroviária abandonada e foi televisionado para todo o país. Sister Rosetta chegou em uma carruagem, porte majestoso, pegou sua guitarra e tocou It Didn’t Rain (“Não choveu”) sob risco de tomar um choque elétrico.
“Tenho certeza de que naquele dia muitos jovens ingleses pegaram suas guitarras elétricas depois de acompanhar aquela apresentação”, disse Bob Dylan.
A verdade é que Rosetta Tharpe foi a fonte onde B.B. King, Etta Jones, Johnny Cash e tantos outros grandes artistas do rock beberam. Dizem que Elvis quando criança voltava correndo da escola para ouví-la. Chuck Berry lembra:
“Sister Rosetta Tharpe foi um amor à primeira vista. Aquela mulher de energia possante que parecia brincar com a guitarra”.
Bob Dylan disse em seu programa Theme Time Radio Hour:
“A irmã Rosetta Tharpe não era nada comum, nem simples. Ela era uma mulher grande, tinha boa aparência, era divina, para não mencionar sublime e esplêndida. Ela era uma força poderosa da natureza. Uma evangelista que cantava e tocava violão”.
Sister Rosetta Tharpe morreu em 1973, na cidade da Filadélfia, vítima de um AVC. Segue engrossando a lista de pessoas negras com a trajetória minguada pelo sistema racista que insiste em nos apagar da história. Esse artigo é uma demonstração da falha desse sistema.
https://m.youtube.com/watch?v=MnAQATKRBN0
Publicitária. Movida por decibéis, apegada ao escurinho do cinema e trilha o aprendizado de ser uma mulher preta. Trabalhou em agências de Fortaleza e Salvador ao longo de 10 anos. Hoje responde pela Mídia na Set Comunicação, house da Educadora 7 de Setembro.