A cena final de “American son” ainda ecoa no meu juízo. O choro desesperado de Kendra, brilhantemente interpretada por Kerry Washginton, é um soco no estômago depois de uma hora e meia de um filme cuja espinha dorsal é o debate racial.
Não estou falando de uma superprodução. Ao contrário. O roteiro é bem linear e com extensos diálogos entre a protagonista e o ex-marido, Scott (Steven Pasquale). Também não me refiro a uma obra propriamente do momento. A produção é de 2019 e está disponível na Netflix. Eu é que assisti tardiamente, confesso, e tenho há horas ressoando em mim a dor de uma mãe em busca do filho desaparecido.
O desfecho é, de fato, uma síntese do nome do filme. “Filho americano”, em tradução livre para o português. Porque expõe exatamente como o racismo institucional trata indivíduos negros, ainda mais se eles forem conscientes de seus direitos e ousarem reivindicá-los. Mas a verdade é que, apesar de alguns excessos de interpretação e alguns embates não tão compreensíveis, “American son” é um filme necessário para compreendermos como sociedades capitalistas estão organizadas e movem-se.
Do primeiro ao último minuto, a gente é provocado a enxergar a vida pela perspectiva étnica. É literalmente o preto no branco. E você termina o filme com um bom letramento racial após Kendra e Scott colocarem na mesa um casamento interracial cheio de arestas não aparadas e que acabou justamente na colisão de dois mundos tão diferentes.
Cada vez mais posicionada publicamente em favor de vidas negras e do feminismo, Kerry Washington entrega uma atuação visceral. Ela interpreta o que é: uma mulher negra que sonha com um mundo no qual negros não precisem silenciar a própria essência para não serem limados num baculejo policial quase sempre envolto em violência e mistério.
Ver uma mãe confrontando uma autoridade policial em busca de informações do filho desaparecido e esse policial ser o retrato fiel do discurso estatal racista e excludente, creio, é o mais cruel do filme. Dói ouvir que nós precisamos aprender a ficar calados em determinadas situações para o pior não acontecer.
Mesmo pra mim, um negro já letrado racialmente, um militante da causa antirracista, “American son” choca pela crueza de notar como o racismo está nas nossas relações familiares, de amor e, principalmente, na relação com o Estado – que deveria primar pela integridade física de qualquer cidadão e é o mais beneficiado pela reprodução desse sistema que mata uns e deixa outros vivos a depender do que a cor da pele representa.
Assista a um trecho do filme.

Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.