As mulheres negras são instadas ao desafio, com paciência histórica e bom uso das estratégias e táticas, de explicar as raízes das persistentes desigualdades sócio raciais e apresentar propostas de superação apreendidas na totalidade da vida social. Tal esforço é necessário diante dos julgamentos dos que querem negar a existência do racismo estrutural e inviabilizar as lutas por reconhecimento étnico, justiça racial e políticas redistributivas como parte de um pacto civilizatório há muito tempo proposto por essas mulheres à sociedade brasileira.
Na III Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e Intolerâncias correlatas, realizada em Durban, em 2001, já se afirmava os efeitos diferenciados que o racismo e a discriminação racial têm na vida das mulheres e meninas, e como contribuem para a deteriorização de sua condição de vida, à pobreza, à violência e à limitação e negação de direitos humanos.
As mulheres negras têm ocupado lugares de desvantagens históricas em significativos setores como mercado de trabalho, rendimento, local de moradia, educação, saúde, assistência social e previdência social dentre outros. Despontam em relações de trabalho precarizadas, em número de desempregos e a maioria se encontra na informalidade, em geral por meio do emprego doméstico e das faxinas em “casa de família”, precisando acessar programas de transferência de renda, muito embora estes tenham se mostrado insuficientes para gerar integração social com segurança econômica e social.

No Brasil, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha de pobreza. Desse modo, é relevante destacar como esse grupo tem enfrentado as crises sanitária, econômica e política, por estar mais exposto ao contágio do novo coronavírus.
É preciso falar dos principais óbices e parabenizar as estratégias de resistências utilizadas pelas mulheres negras para sobreviver e ascender profissionalmente. Diante da deteriorização de suas identidades raciais, da criminalização de suas condutas, das desigualdades sociais e econômicas, elas têm organizado uma narrativa insurgente, com vitalidade.
A título de exemplo: realizaram, no dia 18 de novembro de 2015, em Brasília, a Marcha das Mulheres Negras – Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, que reuniu cerca de 50 mil mulheres de todos os recantos do Brasil; fazem anualmente o Festival Latinidades, evento de afro-latinas e afro-caribenhas; comemoram o Dia Internacional da Mulher Negra da América Latina e do Caribe, o Dia Nacional de Teresa de Benguela, o Julho das Pretas e tantas outras ações em todo território nacional. Acresce o seu brilhante ativismo nas comunidades, no atual quadro da pandemia da Covid-19, com as ações de apoio nutricional e alimentar e de higiene às famílias periféricas para o cumprimento do isolamento social.
Interessa que as mulheres negras se auto-organizem, ao tempo que não percam de vista o horizonte das estruturas macrossocietárias opressoras, sem propalar uma identidade negra fixa ou cristalizada, mas com capacidade de se articular e apoiar outras mulheres, com o fim de garantir um padrão de vida com qualidade.
É notável o quanto de potência têm as mulheres negras. Falta-lhes uma escuta respeitosa, que inclua suas contribuições feministas inventivas na construção da humanidade.
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Professora da graduação e do Mestrado em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Assessora Especial de Acolhimento aos Movimentos Socias do Ceará – ASEMOV/Casa Civil.