O carnaval é conhecido como uma das maiores festas do planeta. As escolas de samba trabalham o ano inteiro em prol da noite do desfile. Sediadas em grande parte nas comunidades pobres, essas agremiações têm nos barracões os responsáveis por dar forma a toda a beleza que nos é apresentada na avenida: o povo preto.
Neste ano, duas escolas com grande tradição no samba não só trarão o negro como mote dos seus desfiles como também, cada uma a sua maneira, falarão de ancestralidade.
No Rio de Janeiro, a Estação Primeira de Mangueira resolveu fazer justiça a nomes negros importantes na história do Brasil que não constam em registros oficiais, não estão nos livros e nem são citados em salas de aula. A agremiação quer contar a história que a História não conta. Levará para a Marquês de Sapucaí o enredo História pra ninar gente grande.
O samba-enredo quer mostrar o sangue por trás dos personagens transformados em monumentos, quer trazer à tona os verdadeiros heróis que deveriam estar nomeados. Dandaras, Marielles e tantas Marias são citadas. Assim como quem resistiu à Ditadura. A escola verde e rosa lembra que o Ceará foi o primeiro estado brasileiro a abolir a escravidão.
Brasil, o teu nome é Dandara
Tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
A Mangueira não esquece dos seus e finaliza a canção homenageando heróis de seus barracões. Leci Brandão e Jamelão são colocados como representantes de todos que fizeram a escola de Cartola.
Já no bairro do Bixiga, em São Paulo, o Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Vai-Vai é a escola com mais títulos no carnaval. Em 2019, vem com o enredo VAI-VAI, o quilombo do futuro. Está no nome do samba e na letra a origem da escola.
O bairro é conhecido por ser reduto da tradição italiana, mas muito antes dos imigrantes chegarem a região onde fica a escola foi chão do quilombo de Saracura.
Axé, eu sou a negra alma do Bixiga
Herança que marcou a minha vida
Tem que respeitar minha raiz
O Orum vai desvendar toda a verdade
Pra resgatar a nossa identidade
Das linhas que a história apagou
A escola tenta sua 16ª vitória levando para a avenida as lutas do povo negro pela liberdade. Os orixás, Mandela, Palmares são alguns representantes de dimensões diferentes e suas cronologias se misturam na canção para nos dizer, corretamente, que estiveram, estão e estarão em cada punho que se erguer em busca da justiça e da liberdade.
O processo de apagamento da história do povo negro encontrará seus algozes representados na Marquês de Sapucaí, no Anhembi e em qualquer lugar do mundo onde houver um corpo preto ousando brincar carnaval.
Confira os sambas-enredo:
Publicitária. Movida por decibéis, apegada ao escurinho do cinema e trilha o aprendizado de ser uma mulher preta. Trabalhou em agências de Fortaleza e Salvador ao longo de 10 anos. Hoje responde pela Mídia na Set Comunicação, house da Educadora 7 de Setembro.