Um mês depois de o Ceará Criolo denunciar a presença irrisória de negros na lista principal de autores da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, a Secretaria Estadual da Cultura (Secult) divulgou há pouco uma relação complementar de escritores convidados para o evento.
Com a inclusão de Abdulai Sila (Guiné-Bissau), Aldino Muianga (Moçambique), André Telles do Rosário (Ceará) e Ondjaki (Angola), chegamos a “incríveis” nove autores negros. O total de escritores anunciados pela Secult já passa de 80, o que faz a representatividade preta, portanto, ficar na casa dos 10%.
Esse é um número sintomático. Primeiro porque a lista complementar nem de longe reduz a desproporção absurda entre escritores brancos e negros já confirmados. Segundo porque – coincidência ou não – a Secretaria anuncia novos negros na véspera de uma reunião provocada por pretos e membros de entidades representativas do povo preto justamente para discutir na Secult a pouca participação negra no evento.
É sintomático também porque a lista sai no dia seguinte à confirmação de uma autora negra do Cariri cearense na Festa Literária Internacional de Paraty. A Flip é nada menos do que o evento literário mais importante do Brasil. Na lista da Bienal do Ceará, no entanto, Jarid Arraes – uma cordelista incrível e que trabalha transversalmente a causa feminista – sequer é citada.
Além disso, pese o fato de nenhum nome novo divulgado hoje pela Secult sequer figurar nas inúmeras sugestões dadas por leitores do Ceará Criolo à pasta no Instagram (@cearacriolo). E olhe que diversos autores estão em alta e certamente agregariam um valor difícil de calcular à importância da Bienal.
Posto isso, levanto mais uma questão: a visibilidade midiática dos convidados. É óbvio que todo nome negro acrescido à lista inicial (com 70 autores e apenas cinco pretos) importa. Todo escritor negro que confirma presença faz da Bienal mais plural. Cada um tem um valor imenso pra bandeira que levanta e pro tipo de literatura que produz. A participação de mais escritores conhecidos do grande público, no entanto, está longe – muito longe – do ideal. E tê-los na programação é necessário até como forma de sobrevivência da própria Bienal.
Muito embora a entrada seja gratuita, o evento vá durar dez dias ininterruptos (16 a 25 de agosto) e a estrutura seja grandiosa, é difícil sonhar com uma adesão ideológica (no sentido de representatividade) da população negra ao evento sem que nomes negros de grande expressão popular sejam incorporados.
Defendo isso porque grandes eventos precisam de grandes públicos. Do contrário, não se justificam e deixam de acontecer. Ainda mais nos tempos escabrosos que vivemos, de total desvalorização da cultura e desmonte educacional descarado. Se há grandes nomes brancos na Bienal, é dever do Estado assegurar que grandes nomes negros também estejam no evento.
Repito: os leitores do Ceará Criolo fizeram questão de colaborar com a Secult sugerindo autores negros conhecidos, bastante demandados e com ampla visibilidade midiática na causa da inclusão e da representatividade. Pessoas possíveis. Gente como Elisa Lucinda, Djamila Ribeiro, Lázaro Ramos e Hugo Canuto – isso para citar apenas alguns de uma lista imensa, feita inclusive com a colaboração de autores negros já confirmados.
Escrevo tudo isso para dizer que sim, Secult, estamos insatisfeitos. Além dos nomes negros divulgados até aqui, que são importantíssimos e necessários, nós queremos também autores de visibilidade nacional tão expressivos quanto os autores brancos já confirmados. Por isso, esperávamos mais dessa primeira lista complementar de autores negros após aquela primeira (e surreal) relação divulgada em abril. Precisamos de mais. As disparidades ainda são enormes.
Queremos equiparação. E que ela não seja feita a conta-gotas. Chega de movimentos sociais terem que reivindicar algo tão básico como o tratamento igualitário. Vivemos num país de maioria negra. Não é possível que um evento literário dito internacional seja quase todo branco!
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.