O ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguéz defendeu essa semana a reforma do Ensino Médio chancelada no governo Temer e a permanência do ensino técnico como um dos principais pilares do setor. Ele acredita que o retorno financeiro dos cursos técnicos é maior e mais rápido se comparado à graduação.
A ideia de universidade para todos não existe. As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual…
Ao que parece, repórter algum se deu ao trabalho de questionar o ministro a qual elite ele se referia. Mas, levando em consideração o conceito difundido no Brasil, sabemos que se trata da parcela branca e abastada da população. Duvido muito que ao proferir suas convicções, Ricardo Veléz visualizasse negros, índios ou pessoas trans.
O grupo dos 10% mais ricos do Brasil concentra 43,1% da renda, segundo pesquisa sobre a desigualdade divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro de 2018. Na média nacional, os mais ricos chegam a receber 17,6 vezes mais que o grupo dos mais pobres.
No momento em que li essa declaração, subiu um calafrio pela espinha e me perguntei, meio atônita: o que será de nós? Fui tomada por várias lembranças. As mais fortes eram do meu pai dizendo, desde pequena, que o estudo me faria uma mulher independente, seria o instrumento para alcançar o que eu quisesse, abriria portas que ele não teve acesso.
Com primário incompleto, saindo de casa às quatro da manhã para ir ao mercado São Sebastião, de domingo a domingo, e tendo minha mãe cuidando do comércio, foi assim que seu Luís Peixeiro garantiu os estudos dos quatro filhos. Eu e minhas irmãs fomos a primeira geração da família a ingressar na faculdade. Somos crias da universidade pública!
Outra recordação imediata foi o que versa a Constituição sobre educação. No documento mais importante para o povo brasileiro, a educação consta no rol dos direitos humanos fundamentais:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Repare que não existem divisões. Como atingir o pleno desenvolvimento se o Estado pretende destinar o que lhe convém a um grupo minoritário? Nós temos o direito de escolher. O Estado não pode nos limitar, dizer até onde podemos ir.
Eu não sou contra o ensino técnico. Ele é uma porta entre tantas. Eu sou contra é a negação de possibilidades. E as universidades são o terreno mais fértil delas.
A universidade já não é para todos. Apenas uma pequena parte da população tem diploma. A democratização do ensino superior é algo recente. Os avanços ainda são poucos frente ao abismo de desigualdade. O papel do Estado é trabalhar por dias mais igualitários e não alargar disparidades sociais.

Até quando cientistas negros, juízes trans e políticos indígenas serão artigos raros de encontrar? Até quando essas e outras profissões serão desempenhadas quase que exclusivamente por homens, heterossexuais e brancos? Além de injusto, é chato, sem graça!
Quando entramos na universidade, temos chance de ver coisas antes impensáveis. O filho da faxineira virar doutor, voar rumo ao país que sonhava conhecer, uma trans lecionar onde antes era a aluna que sofria bullying, dar aos pais o que eles nunca tiveram…
Quem tem direito de nos tirar isso? Seu Zé Ninguém. Nem o senhor sinistro.

Publicitária. Movida por decibéis, apegada ao escurinho do cinema e trilha o aprendizado de ser uma mulher preta. Trabalhou em agências de Fortaleza e Salvador ao longo de 10 anos. Hoje responde pela Mídia na Set Comunicação, house da Educadora 7 de Setembro.