No Carnaval das escolas de Samba de 2019, tanto a Mancha Verde, em São Paulo, quanto a Mangueira, no Rio de Janeiro, carregam mais do que o título de campeãs. Ambas levaram pra avenida o orgulho do povo negro. Falaram da África, dos orixás, das histórias não contadas, de Dragão do Mar, de Aqualtune e de tantos outros heróis e heroínas deixados de lado na história oficial do Brasil.
A princesa cantada pela Mancha Verde é Aqualtune Ezgondidu Mahamud, filha de um Rei no Congo. Alguns registros falam em um “não identificado rei”, enquanto outros falam no rei Antônio I (Nvita-a-Nkanga). Durante a Batalha de Ambuíla, entre o Reino de Portugal e o Reino do Congo, Aqualtune teria liderado um batalhão de dez mil homens. Após a derrota, teria sido enviada em um navio negreiro para o forte de Elmina, em Gana.
De lá, foi enviada para o Recife. Tentou fugir, mas não obteve sucesso e, assim, foi vendida ao senhor do engenho de Porto Calvo, no leste de Alagoas. Lá, por conta da beleza, foi determinada para a função de reprodução. Ao saber da existência de um reduto de africanos livres na Serra da Barriga, em Alagoas, organiza uma fuga e leva consigo mais de 200 pessoas.
“Este tinha uma grande dimensão territorial, com inúmeros povoados fortificados, onde os ex-escravos preparavam a organização de um estado negro naquelas terras. Mantinham as tradições africanas e seus ritos originais; assim, o governo de cada localidade era dado aos que em sua terra tinham sido chefes. Aqualtune, sendo uma princesa, teve reconhecida sua ascendência e recebeu o governo de uma aldeia, onde cada mocambo organizava-se de acordo com suas próprias regras”, informa o Dicionário Mulheres do Brasil – de 1500 até a atualidade. Os filhos Ganga Zumba e Ganga Zona ficaram conhecidos pela coragem e liderança, tendo o primeiro liderado o quilombo por muitos anos. A filha Sabine deu a luz a Zumbi, mais tarde reconhecido como um dos maiores heróis do povo negro brasileiro.
De acordo com Sandra Santos, no livro Brincando e Ouvindo Histórias, material voltado para docentes elaborado pelo Núcleo de Apoio à Pesquisas em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro (Neinb), da Universidade de São Paulo (USP), a princesa ajudou a erguer, no local, o que seria um império em meio à selva: o Quilombo dos Palmares. “Recebeu uma aldeia para comandar não apenas porque tinha ascendência nobre, mas porque conhecia a arte da guerra e da estratégia. Foi e continuou sendo uma grande líder”, explica.
Sobre a morte da princesa guerreira, pouco sabemos. Enquanto uns dizem que ela morreu queimada durante um ataque dos bandeirantes, outros afirmam que ela conseguiu fugir. Essa falta de informações é comum à infância de Aqualtune e à vida enquanto princesa, ao seu pai, suas filhas e também à atuação em Palmares. Em alguns relatos, a importância dela é destacada por ser “a avó de Zumbi dos Palmares”. Em outros, tratada como o “mito de Aqualtune”.
Entendemos a dificuldade em reunir informações sobre uma personagem do século XVII. Que novas pesquisas sejam realizadas e a história da princesa guerreira possa ser conhecida por cada vez mais pessoas.
“Eu só acho um absurdo
Porque nunca ouvi falar
Na escola ou na tevê
Nunca vi ninguém contar
A história de Aqualtune
E o que pode conquistar.
Uma história como a dela
Deveria ser contada
Em todo livro escolar
Deveria ser lembrada
No teatro e no cinema
Que ela fosse retratada.
Mas eu tive que sozinha
Sua história então buscar
Foi porque ouvi seu nome
Uma amiga então citar
E por curiosidade
Na internet procurar.
É por isso que eu escrevo
E o cordel quero espalhar
Pra que mais gente conheça
E também possa contar
Tudo que Aqualtune fez
Pois é tudo de inspirar.
A história do meu povo
Nordestino negro forte
É tão rica e importante
É vitória sobre a morte
Pois ainda do passado
Modificam nossa sorte.
Quando penso em Aqualtune
Sinto esse encorajamento
A vontade de enfrentar
De mudar neste momento
Tudo aquilo que é racismo
E plantar conhecimento”.
(Trecho do cordel “Aqualtune”, de Jarid Arraes)
(Crédito da imagem no topo: Carla Carniel/Destak)
Jornalista. Alma de cronista, coração de poeta. Tem experiência em Assessoria de Comunicação. Apaixonado por futebol, boas histórias e fim de tarde.