Milhares de pessoas em todo o mundo praticam crochê e tricô como hobby ou profissão. Entre elas, um número crescente de jovens têm reencontrado no fio um lugar de hobby, “bico” e afetos…
Uma memória chamada Tia Alença
Uma mulher negra, de cabelos brancos presos por um pompom preto, olhos miúdos e baixos, com um vestido estampado de flores pequenininhas, está sentada em uma cadeira de balanço daquelas com cordas de macarrão.
Nas mãos experientes dela, revelam-se anos vividos — não apenas pela idade, mas pela habilidade com que, suavemente e com precisão, tece, em linha única, peças feitas de crochê.
Essa senhora descrita, para mim, tem rosto: Tia Florença, uma mais velha minha, tia paterna da minha avó Lira. Tia Alença, como eu costumava chamá-la, viveu 101 aninhos… Brincávamos dizendo que queríamos herdar esse dom de viver tanto e bem. Até seu centenário, era de uma lucidez e habilidade de se autocuidar admiráveis.
Bem, criei essa memória de Tia Alença em minha cabeça depois que uma prima, Cleinha — uma das 30 e tantas netas e netos dessa minha tia — respondeu a um story do meu Instagram dizendo que sua avó sabia fazer crochê muito bem e que tentou ensinar a ela e às outras netas, mas elas não aprenderam.
Naquele momento, tive minha primeira referência de uma crocheteira na família, como ouvi também de outras crocheteiras da minha idade que aprenderam com avós e tias. Sim, os jovens têm buscado muito a prática do crochê.
Redes sociais e a nova geração do crochê
Hoje em dia, há uma crescente procura por vídeos em formato tutorial no YouTube e nas redes sociais como TikTok e Instagram. Nesses espaços, jovens de diversas idades, gêneros, sexualidades e etnias compartilham vídeos e fotos de peças feitas por eles mesmos. Ao digitar a tag #crochê no Instagram, é possível ver que mais de 60 mil pessoas a utilizaram. Abaixo dessa tag, outras aparecem, como #crochecomamor e #crochedeluxo.
Um “bico” que sustenta – o mercado do crochê está em alta
Esse ressurgimento do crochê entre os jovens tem movimentado uma verdadeira indústria. Segundo a matéria “Principais empresas de tricô e crochê na global 2025”, divulgada pela Global Growth Insights (GGI), mais de 60 milhões de pessoas em todo o mundo participam do tricô e do crochê como hobby ou profissão.
Isso é algo curioso: por que tantos jovens estão interessados na arte de tecer com as mãos? A memória de Tia Alença é um imaginário social que qualquer pessoa no Brasil poderia ter ao pensar em crochê. No meu caso, desde criança achei bonito usar a linha para fazer coisas — teve até um curso gratuito na época —, mas “meninos não podiam” fazer crochê.
Eu não sabia que o crochê estava virando uma “modinha” entre os jovens. Simplesmente, um dia, a caminho da universidade, decidi aprender a crochetar e realizar o sonho do menino que fui. Comprei agulha e linha, pesquisei tutoriais no YouTube e com muita dificuldade, postava nos stories do Instagram minha luta para segurar a agulha e fazer uma correntinha (ponto inicial de muitas peças de crochê).
Recebi incentivos, descobri amigas que também estavam aprendendo ou já crochetavam. Compartilhamos vídeos, dicas, erros e acertos. Minha maior dificuldade era segurar a agulha. Eu era todo duro.
Melhorei após ouvir uma dica de minha amiga Helosa Araújo:
“Crochê não é força; é repetição e leveza na mão.”
Ela chegou até a falar dos dois lados de Iansã — o búfalo e a borboleta — para dizer que no crochê precisamos buscar equilíbrio.
Após dois meses entre frustrações e pequenos avanços, consegui formar pontos com mais firmeza. O crochê, além de hobby, virou “bico” — aquele trabalho extra no bolso que quebra um galho —, com algumas encomendas feitas pelo Instagram (@tuviugeovane), principalmente de bolsas, o que sei fazer melhor e gosto de fazer.
Esse “bico” não é só minha realidade, mas de tantos outros jovens. A GGI destaca que a demanda por fios orgânicos, naturalmente tingidos e éticos, aumentou 50% nos últimos cinco anos, refletindo a crescente consciência do consumidor sobre sustentabilidade.
Ainda segundo a GGI, cerca de 20 mil lojas de fios e de artesanato operam globalmente, com mercados online experimentando um crescimento anual de 30% nas vendas devido à influência das redes sociais.
No Brasil, os valores são acessíveis. Em minhas idas aos armarinhos do centro de Fortaleza (CE), sempre encontro material bom e barato — provavelmente porque o Brasil é um dos grandes fornecedores de lã e merino (matéria-prima para linhas de crochê) na América Latina, segundo a GGI.
O “bico” talvez explique parte do interesse de alguns jovens pelo crochê. Mas, além do sentido econômico, há uma dimensão subjetiva. Com o tempo, percebi que me concentrar na linha, nos pontos e na contagem me deixava mais calmo. Para mim, a hora de crochetar tornou-se terapêutica: seja para desacelerar do dia, seja para passar o tempo numa fila de espera ou, até mesmo, numa mesa de bar enquanto converso com amigos.

Crochê que acalma, também é autocuidado!
Sobre o aspecto terapêutico do crochê, conversei com Joédson Lima (@jordsonlimapsi), psicólogo especialista em Melhoria do Cuidado. Ele explica que o crochê pode ser pensado como um hobby:
“Todo processo terapêutico envolve um bem-estar mental. O crochê, assim como a pintura, a prática de instrumentos ou atividades físicas, exige atenção cognitiva que desenvolve o foco e a expressão criativa. Também proporciona relaxamento, o que traz benefícios como a redução de estresse e ansiedade, liberação de endorfina e outros hormônios, melhora do humor e da autoestima”, partilha.
Além disso, Joédson ressalta que, quando relacionado à venda ou ao convívio em grupo, o crochê pode facilitar vínculos e socialização. Ele também destaca o sentido emocional ligado ao crochê.
Para muitas pessoas, existe uma conexão afetiva com o crochê, sobretudo por meio de laços familiares. No meu caso, por exemplo, minha imaginação me levou até Tia Alença, com seus cabelos branquinhos, crochetando com serenidade… Sobre isso, o psicólogo comenta que, como hobby ligado às emoções, “o crochê pode vir de uma historicidade muito maior, podendo estar ligado a um passado ancestral [família].”
Joédson ressalta que o crochê, quando praticado com desejo e prazer, promove qualidade de vida. Embora tenha potencial terapêutico, a prática, porém, não substitui o processo psicoterapêutico, mas pode auxiliar tratamentos como complemento.
Seja por “modinha”, pela necessidade de um “bico”, pelo desejo de praticar um “hobby”, melhorar o bem-estar mental ou por laços afetivos, o crochê tem ressurgido entre os jovens.
Dica pra quem quer começar
Deseja começar a praticar crochê e não tem uma mais velha para lhe ensinar? Faça como eu: veja vídeos em plataformas digitais como YouTube e TikTok. Deixo aqui dois canais que me ajudaram nas primeiras peças:
Gostaria também de deixar uma dica essencial para quem está começando: use agulhas de numeração entre 3,5 mm a 6 mm e linhas de lã ou barbante de algodão compatível com a agulha escolhida.
No mais, assista a vários tutoriais e descubra seu jeito de segurar a agulha e seu ritmo de crochetar. Essas coisas são como nossas digitais: únicas. Vá com calma que você vira um(a) jovem crocheteiro(a).
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Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará (PPGCOM/UFC). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e graduado em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela mesma instituição.
