“Década colocou os negros na faculdade, e não (só) para fazer faxina”. O título da reportagem da Folha de São Paulo sobre o acesso de pessoas negras às universidades gerou uma enxurrada de críticas e memes nos últimos dias.
As críticas se deram, principalmente, pela omissão ao papel do Partido dos Trabalhadores (PT), do governo do ex-presidente Lula e da ex-presidenta Dilma. Muitos memes nas redes sociais criticaram e zombaram da manchete do jornal, o que levou à mudança do título da matéria, mas não ao conteúdo. O texto segue sem mencionar os governos petistas.
“Luiz Inácio Década da Silva. Dilma Década Rousseff”. “Década foi um grande presidente”. “Devolvam os direitos políticos de Década e aguardem 2022” foram alguns dos memes.
Sem negar a vital importância dos governos petistas, claro, mas e o movimento negro? Qual foi o papel dele (ou deles) nessa conquista?
Segundo a professora Sílvia Maria, essa pauta, não só das cotas, mas da educação da população negra, do acesso e da permanência da população negra nas universidades, é uma do século XIX.
“Se não fosse o movimento negro, não teríamos a Lei 10.639, a Lei de Cotas e todas as políticas afirmativas que existem. São todas fruto de um movimento. O governo não deu de graça. Claro que governos mais sensíveis, que dentro dele existem pessoas do movimento negro, que é o caso dos governos Lula e Dilma, tensionaram dentro do próprio governo essas conquistas”, afirma a professora.
“Então, os movimentos sociais elegeram, mas também exigiram políticas públicas para essa demanda. Isso é fruto do próprio movimento negro, não dádiva de um governo x, y ou z. Agora, é fato que foi no governo Lula que se instituiu essa série de políticas”, destaca.
Para a professora Zelma Madeira, Assessora Especial de Acolhimento aos Movimentos Sociais do Governo do Estado do Ceará, as políticas de ações afirmativas na modalidade cotas são uma reinvidicação antiga dos movimentos negros, sempre muito atuantes nas décadas de 80 e 90 do século XX e no início do século XXI. Vários fatos e conteúdos históricos, como o Centenário da Abolição, Brasil 500 anos e a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, Xenofobia e formas de intolerância correlatas tiveram o movimento negro presente com reinvidicações.
“Esses fatos e conteúdos históricos foram instrumentos de luta dos movimentos negros. Por meio deles, tensionaram o governo Lula para transformar em política de Estado. As políticas de cotas vão acontecer mesmo no governo Dilma, no qual o Estado vai implantar as ações afirmativas por meio das leis 12.711/2012 e 12.990/2014”, afirma Zelma.
Na análise do professor e historiador Hilário Ferreira, essa conquista não é unicamente uma dádiva do Partido dos Trabalhadores (PT). “Vejo esse momento como um processo dentro de uma realidade complexa que tem como um dos elementos o protagonismo do movimento negro diante de uma dada realidade. Na minha concepção, é o movimento negro o grande responsável por esse fato.”
“Foi um período no qual essas propostas, que começam lá atrás, com a denúncia de racismo no Brasil, que aos poucos vai se transformando numa ideia de transformar aquilo em políticas públicas. Movimento negro na linha de frente, PT dentro de uma conjuntura favorável”, cita o pesquisador, alertando para a necessidade da continuidade da luta.
A Lei 10.639/2003, por exemplo, até hoje não foi implantada de forma geral.

Jornalista. Alma de cronista, coração de poeta. Tem experiência em Assessoria de Comunicação. Apaixonado por futebol, boas histórias e fim de tarde.