Um fato curioso sobre os candidatos à Prefeitura de Fortaleza nas eleições municipais deste ano: metade deles mudou a autodeclaração de cor/raça junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo menos uma vez nos últimos pleitos. São eles: Anizio Melo (PCdoB), Célio Studart (PV), Heitor Férrer (Solidariedade), Heitor Freire (PSL) e José Sarto (PDT).
O Ceará Criolo cruzou todos os dados acessando os registros dos prefeituráveis um a um e constatou. A nomenclatura “cor/raça” é a oficialmente utilizada pelo TSE, que é quem coordena as eleições em todo o país e autoriza ou não cada um a concorrer.
Dos dez nomes oficializados à disputa por partidos ou coligações, apenas um, o da pedagoga Paula Colares, filiada à Unidade Popular pelo Socialismo (UP), não é conhecida do eleitorado. Como nunca disputou campanha, não há registro no TSE anterior a 2020.
Entre as eleições de 2004 (o primeiro no qual o Tribunal disponibiliza informações dos postulantes) e a concorrência deste ano, todos os demais candidatos já declararam ao TSE a qual etnia pertencem. Capitão Wagner (Pros), Luizianne Lins (PT), Renato Roseno (PSol) e Samuel Braga (Patriota) permanecem autodeclarados à mesma etnia em todas as disputas que participaram. São brancos.
QUEM MUDOU PARA O QUÊ
À frente de uma chapa pura do PCdoB, o professor Anizio Melo apresentou ao TSE autodeclaração de preto às eleições de 2018, quando tentou vaga para deputado federal. Não foi eleito. Agora, na disputa para prefeito, indica ser pardo. Preside o Sindicato Apeoc. Preto ou pardo, continua sendo negro, conforme a classificação vigente no Brasil.
Também em chapa pura, só que pelo PV, o advogado Célio Studart é agora autodeclarado branco. No entanto, nas eleições de 2018 e 2016, quando concorreu para deputado federal e vereador, respectivamente, e foi eleito, disse ao TSE ser pardo (logo, negro). Isso depois de ter informado ao mesmo órgão, em 2014, ser um indivíduo branco na primeira disputa da qual participou à Câmara Federal (e perdeu).
Um dos nomes mais conhecidos do eleitorado fortalezense, o médico Heitor Férrer está autodeclarado pardo (negro) na ficha deste ano do TSE numa coligação com o MDB (antigo PMDB). Em 2016 e 2014, ao concorrer para prefeito (e perder) e para deputado estadual (e ganhar), respectivamente, afirmou ser branco. Cumpre hoje mandato na Assembleia.
Outro Heitor, dessa vez o Freire, administrador e representante da chapa PSL-PRTB, aponta este ano ser branco. Em 2018, ao tentar (e vencer) vaga de deputado federal, disse o mesmo. Porém, em 2016, na primeira campanha e em busca de ser vereador de Fortaleza, quando terminou na suplência, autodeclarou ao TSE ser pardo. Ou seja: negro. É atualmente deputado federal.
Por fim, o médico José Sarto. Um dos nomes mais cobiçados desta eleição por ser o candidato do atual prefeito Roberto Cláudio (PDT), presidente da Assembleia Legislativa do Ceará e aliado ao governador Camilo Santana (PT), de quem também já foi líder no parlamento. Tal qual Heitor Férrer, é político de longa data. Agora, para concorrer ao Executivo de Fortaleza, se diz branco. Entretanto, nos pleitos de 2018 e 2014, ao disputar mandato de deputado estadual (e vencer ambos), afirmou ser pardo (negro, portanto).
VICES
Entre candidatos a vice-prefeitos de Fortaleza, apenas um mudou de cor/raça nos registros do Tribunal Superior Eleitoral de 2004 pra cá: Walter Cavalcante, parceiro de chapa de Heitor Férrer. Filiado ao MDB, ele atualmente diz ser pardo. Nas eleições de 2018 e 2014, porém, Walter apontava a si mesmo como branco. Concorreu (e venceu) a disputa por uma cadeira de deputado estadual. Não há informações no TSE sobre pleitos anteriores, muito embora o MDBista tenha concorrido a primeira vez em 2004, para vereador de Fortaleza.
Seis dos/as dez candidatos/as a vice-prefeito/a nunca participaram de um pleito. Logo, não dispõem de registro de candidatura no Tribunal anterior a 2020 para efeito comparativo. São eles: Helena Monteiro (PCdoB), Kamila Cardoso (Podemos), Galba Viana (PV), Cabo Maia (PSL), Vladyson (PT) e Élcio Batista (PSB).
O candidato Serley Leal (UP), vice de Paula Colares, não tem informações étnico-raciais cadastradas no sistema do TSE de anos anteriores. Mas concorreu às eleições de 2012 pelo PT para o cargo de vereador. Ficou na suplência. Este ano, ele se aponta como preto.
Somente Raquel Lima, do PCB e parceira de chapa do socialista Renato Roseno, manteve a mesma indicação de cor/raça em todas as eleições que participou: 2018, para vice-governadora, e 2016, para vice-prefeita. Ela é autodeclarada preta. Perdeu em ambas.
CLASSIFICAÇÃO
É preciso lembrar que, conforme classificação oficial e em vigor do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra do nosso país é composta por indivíduos autodeclarados pretos e pardos.
Isso significa que 80% dos/as candidatos/as a prefeito/a de Fortaleza são brancos e apenas 20% são negros (todos pardos e nenhum preto). Quanto aos/as candidatos/as a vice-prefeito/a, o cenário é praticamente o inverso: 70% são negros (sendo 50% pardos e 20% pretos) e 30% são brancos. Conforme censo do IBGE, o Ceará tem cerca de 65% da população autodeclarada negra.
Na estratificação por gênero, também como base no que os/as próprios/as postulantes informam ao TSE, temos a seguinte representação: 80% dos candidatos a prefeito são homens e 20% são mulheres; enquanto 60% dos nomes a vice são mulheres e 40% são homens.
A disputa pelo comando da quinta maior cidade do Brasil começou. E todos esses dados podem nos dizer MUITA coisa daqui pra frente, quando a campanha esquentar, os programas de televisão/rádio irem ao ar e os debates acontecerem. É fundamental você, leitor do Ceará Criolo, eleitor ou não ao pleito deste ano, pesquisar sobre cada candidato/a. Porque um deles será eleito e as decisões que tomar no mandato vão impactar diretamente a sua vida.
Para ter todos os detalhes dos dez prefeituráveis, clique aqui.
O QUE DIZEM OS CANDIDATOS
O Ceará Criolo procurou todos os cinco candidatos que retificaram a autodeclaração de cor/raça junto ao TSE. Confira, na íntegra, as notas de cada um, aqui publicadas por ordem de retorno à provocação da reportagem.
CÉLIO STUDART (PV)
Branco em 2014, pardo em 2016 e 2018 e branco em 2020.
“A autodeclaração leva em consideração caraterísticas raciais, bem como aspectos sociais, que envolvem a antecedência da família, dentre outros. Por esse motivo, a candidatura de Célio se declarou parda no último pleito, por ter em sua composição familiar brancos e negros. Mesmo não se compreendendo como branco, na concepção de origem familiar, para evitar distorções, houve essa declaração em 2020.”
HEITOR FREIRE (PSL)
Branco este ano e pardo em 2016, na primeira eleição.
“Em 2016, a ficha de registro de candidatura foi preenchida pelo partido. Apesar de ter descendência de pardos e índios, o deputado reconhece ser branco de acordo com a classificação do IBGE.”
HEITOR FÉRRER (Solidariedade)
Pardo em 2020 e 2018, mas branco em 2016 e 2014.
“A pele branca não é sinal de raça branca. Sou pele branca, mas minhas características físicas são pardas. Não tenho a altura mais alta, a cor do olho não é azul e outras características da raça branca. Não houve nenhum motivo especial [para mudança da autodeclaração ao TSE], só uma análise das definições de cada raça e acho que me enquadro mais na parda.”
ANIZIO MELO
Pardo em 2020, mas preto em 2018.
“Os organismos do governo brasileiro e alguns organismos internacionais trabalham com o conceito de negro no Brasil como a soma de pretos e pardos.
Quando me autoafirmei negro há dois anos foi com base nesse conceito. Hoje, tenho mais cautela na autoafirmação por entender que os marcadores negros pelo fenótipo são elementos definidores do nível de racismo sofrido pela população negra.
Sou filho de uma mulher negra paraibana e, mesmo não tendo herdado o fenótipo negroide de minha mãe, tenho consciência de minha condição de não branco.
Portanto, sei que não tenho os marcadores que disparam as ações racistas na sociedade brasileira, por isso me auto identifiquei como pardo por entender que pardos de pele menos escura podem gozar de privilégios estabelecidos pelo racismo de marca brasileira e latino-americana.”
A assessoria de José Sarto não retornou contato.
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.
2 comentários
Muito boa sacada Bruno. tenho percebido também nas propagandas políticas uma exposição, quase aos gritos de alguns candidatos, sobre a origem pobre (de periferias, pais trabalhadores de segunda classe). Me vem em mente alguns questionamentos: se eles são pobres de origem, porque chegam às bancadas e passam a defender as pautas das elites? Alguns até rompem completamente com a defesa de garantias básicas, como votar contra os trabalhadores sob o argumento de manutenção e proteção da economia. Pois bem, esses candidatos que se dizem de origem pobre, parece que quando chegam ao podem sofrem de amnésia de classe e de raça. Talvez por isso, a autodeclaração seja uma coisa tão plástica e adaptável aos grupos com que eles, ex-pobres, ex-negros passam a pactuar . Isso é a mais sanguinária luta de classes a lá Brasil!
Pingback: Quem são os 15 eleitos deputados estaduais no Ceará que se autodeclaram negros à Justiça - Ceará Criolo
Pingback: Candidatos a prefeito de Fortaleza apresentam propostas genéricas ou ignoram população negra em planos de governo - Ceará Criolo
Pingback: 60% dos vereadores eleitos em Fortaleza se autodeclaram negros; pardos são quase metade da nova composição - Ceará Criolo