60% dos vereadores eleitos em Fortaleza nesse domingo (6/10) informaram ser pretos ou pardos à Justiça Eleitoral. Motivo de polêmica durante campanhas políticas, a autodeclaração racial de candidatas e candidatos definiu a distribuição racial do Legislativo de Fortaleza para o mandato 2025-2028 assim:
- cinco declararam que são pretos/as (o equivalente a 11% do total);
- 17 disseram que são brancos/as (40% do total)
- e 21 declararam que são pardos/as (49%).
O Ceará Criolo consultou o registro de candidatura de todos os 43 nomes que ocuparão uma cadeira na Câmara a partir de 1º de janeiro de 2025 e levantou os dados um a um.
O total de pessoas pretas e pardas eleitas este ano (60%) é levemente superior ao resultado da campanha passada, em 2020, quando 58% afirmaram ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) serem negras. Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra é a soma dos indivíduos pretos e pardos.
O número de pessoas pretas eleitas mais do que dobrou, saindo de duas no pleito de quatro anos atrás (4,6%) para cinco agora (11%). São elas: Adriana Gerônimo (PSol, reeleita), Mari Lacerda (PT), Adriana Almeida (PT), Luiz Paupina (Agir) e Soldado Noélio (União). Em resumo: três mulheres de esquerda e dois homens de direita.
O total de pessoas pardas eleitas caiu de 23 em 2020 (53,4%) para 21 (49%). São elas: Aglaylson (PT), Ana Aracapé (Avante), Apollo Vicz (PSD), Bá (PSB), Carla do Acilon (DC), Chiquinho dos Carneiros (PRD), Dr. Luciano Girão (PDT), Emanuel Acrizio (Avante), Erich Douglas (PSD), Gardel Rolim (PDT), Irmão Léo (Progressistas), Jânio Henrique (PDT), Julierme Sena (PL), Kátia Rodrigues (PDT), Marcel Colares (PDT), Márcio Martins (União), Marcos Paulo (Progressistas), PPCell (PDT), Priscila Costa (PL), Professor Aguiar Toba (PRD) e Professor Enilson (Cidadania).
Já a quantidade de pessoas brancas eleitas reduziu de 18 (42%) para 17 (40%).
OPINIÃO
Ao contrário de concursos e vestibulares públicos, o processo eleitoral não submete os(as) candidatos(as) a cargos políticos eletivos a bancas de heteroidentificação. Isso faz com que apenas a autodeclaração seja suficiente para a Justiça Eleitoral considerar alguém preto ou pardo, o que permite a já conhecida prática de “mudança de raça” entre um pleito e outro, como o Ceará Criolo tem denunciado desde a disputa passada.
É preciso estabelecer critérios mais rigorosos no tocante ao pertencimento racial nas eleições, especialmente porque candidatos negros têm, por lei, direito de acessarem recursos específicos dos fundos partidários. Não é possível, então, haver brecha para fraudes. Em Fortaleza, nós já vimos candidato a prefeito de pele branca, cabelo loiro/liso, nariz afilado e olhos azuis dizendo ser pardo depois de ter sido branco uma vida inteira (para si próprio, para a sociedade e para o TSE).
Mecanismos de fiscalização precisam ser criados, sob pena de termos uma falsa ideia de representatividade quando, no mundo real, parte desses 60% podem ser pessoas que nunca tiveram qualquer identificação com a negritude que agora reivindicam. Mas mais: enquanto eleitores, devemos ficar atentos ao modo como cada um desses(as) parlamentares(as) vai se comportar durante o mandato.
Se todos(as) esses(as) candidatos(as) acionaram a identidade negra para concorrerem e assim foram eleitos, que nos mandatos tenham compromisso com essa população. A despeito do que dizem os mitos, pretos e pardos são maioria em Fortaleza. Somos quase 70% de todos os habitantes da cidade. Não podemos ficar em segundo plano. Temos que ser prioridade sempre. Porque é sobre nós que recaem os piores índices de qualidade de vida. E são justamente os vereadores quem fiscalizam e propõem políticas públicas capazes de melhorar essa realidade.
Não dá mais para aceitar quem se utiliza da negritude para acessar lugares de poder e, quando lá chega, embranquece. Precisamos de parlamentares comprometidos com avanços, não com retrocessos. É urgente racializarmos os planos de atuação dos mandatos dos(as) vereadores(as), bem como os planos de governo dos prefeitos. Estamos em 2024 e é inimaginável compactuarmos com uma política que nos desracializa na execução de projetos mas nos pinta de pretos e pardos para nos excluir.
Que a gente abra o olho. De gatunos, estamos fartos!
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Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.