O fenômeno da mudança de cor/raça por candidatos às eleições deste ano não afeta apenas a disputa pela Prefeitura de Fortaleza. A prática é recorrente no Nordeste, como comprova levantamento feito pelo Ceará Criolo nos registros de todos os 105 concorrentes das nove capitais da região no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
São 24 candidatos/as a prefeito/a que alteraram a autodeclaração étnica – feita ao TSE no ato do registro de chapa – pelo menos uma vez nos últimos pleitos, sejam eles municipais ou estaduais/federais. Isso representa 22,85% do total. A capital cearense lidera tanto em números absolutos quanto em proporcionalidade (confira rankings abaixo).
O Ceará Criolo consultou 364 registros públicos on-line de candidaturas referentes às eleições compreendidas entre 2004 e 2020 e disponibilizadas no sistema do TSE. Houve caso de um único candidato ter oito registros. Só em Fortaleza, por exemplo, foram 49 peças diferentes analisadas. Os documentos foram acessados um a um para, ao fim, os dados serem cruzados.
Foram localizadas 26 mudanças de etnia, tendo dois candidatos alterado a cor/raça mais de uma vez nos últimos anos. A migração do branco para o negro foi a mais recorrente: 12 vezes (ou 46,15% do total). A retificação de negro para branco apareceu em seguida, com nove ocorrências (ou 34,61% do total). Já a identificação de preto para pardo ou de pardo para preto (dentro do espectro da negritude) foi encontrada cinco vezes (ou 19,23% do total).
CAPITAL A CAPITAL
Cinco candidatos mudaram de cor/raça em Fortaleza, o que equivale a 45% do total: Anizio Melo (PCdoB, de preto, em 2018, para pardo este ano), Célio Studart (PV, de pardo, em 2016 e 2018, para branco este ano), Heitor Férrer (Solidariedade, de branco em 2014 e 2016, para pardo em 2018 e este ano), Heitor Freire (PSL, de pardo, em 2016, para branco este ano) e José Sarto (PDT, de pardo, em 2014 e 2018, para branco este ano).
Em Salvador, na Bahia, 33% dos candidatos mudaram de cor/raça. São eles: Bruno Reis (DEM, de branco, em 2014, para pardo em 2016 e este ano), Celsinho Cotrim (Pros, de pardo, em 2018, para branco este ano) e Pastor Sargento Isidório (Avante, de preto, em 2014, para pardo em 2016 e novamente para preto em 2018 e este ano).
Em Teresina, capital do Piauí, o índice foi de 30%, com alterações em cor/raça de Fábio Abreu (PL, de preto, em 2014, para pardo em 2018 e novamente preto este ano), Gervásio Santos (PSTU, de pardo, em 2014, para preto em 2018 e este ano), Lourdes Melo (PCO, de parda, em 2014, 2016 e 2018, para branca este ano) e Mário Rogério (Cidadania, de branco, em 2016, para pardo este ano).
Em João Pessoa, na Paraíba, 28% dos candidatos mudaram de cor/raça: Camilo Duarte (PCO, de pardo, em 2014, para branco este ano), João Almeida (Solidariedade, de branco, em 2016 e 2018, para pardo este ano), Rama Dantas (PSTU, de parda, em 2014 e 2016, para preta em 2018 e este ano) e Wallber Virgolino (Patriota, de branco, em 2018, para pardo em 2020).
Em Aracaju, capital sergipana, 18% dos candidatos migraram de etnia: Almeida Lima (PRTB, de branco, em 2014, para pardo este ano) e Edvaldo (PDT, de branco, em 2014, para pardo em 2016 e este ano).
O índice de 18% é o mesmo do Recife, no estado de Pernambuco, onde os candidatos Mendonça Filho (DEM, de branco, em 2014, para pardo em 2018 e este ano) e Victor Assis (PCO, de pardo, em 2018, para branco este ano) mudaram de cor/raça diante do TSE.
A capital do Maranhão, São Luís, teve 16% dos candidatos alterando cor/raça: Duarte (Republicanos, de branco, em 2018, para pardo este ano) e Silvio Antônio (PRTB, de pardo, em 2018, para branco este ano).
Alagoas, capital do estado de Maceió, registrou 10% de mudança de cor/raça entre candidatos. Somente Cícero Almeida (DC) retificou o registro junto à Justiça Eleitoral. Era branco em 2014, passou a pardo em 2016, voltou a ser branco em 2018 e este ano é novamente pardo.
Por fim, Natal, capital do Rio Grande do Norte, que também teve apenas um candidato este ano com divergências étnicas em relação a pleitos passados: Kelps Lima (Solidariedade). Em 2014, ele se declarou preto; mudou para branco em 2016; retornou à cor preta em 2018 e este ano informou ser preto.
CLASSIFICAÇÃO OFICIAL
É preciso lembrar que o entendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o de que a população negra é composta por indivíduos autodeclarados pretos e pardos. Embora criticada por setores da sociedade civil e antiga, datada de meados da década de 1950, a classificação é a que está em vigor no país.
Isso implica dizer, portanto, que: das 105 candidaturas às prefeituras das capitais nordestinas, apenas 45 são de indivíduos autodeclarados/as negros(as). O equivalente a 42% do total. Como nenhum(a) candidato(a) informou ser de outra etnia, os 58% postulantes restantes, então, são brancos/as.
Fortaleza ocupa a penúltima posição no quantitativo de prefeituráveis negros. Tem apenas três nomes, sendo dois pardos e um preto (José Loureto, do PCO, que entrou de supetão na disputa). João Pessoa é a que tem mais negros na disputa, com oito candidatos/as. Mais até do que Salvador, a cidade mais negra do mundo fora da África, que tem seis candidatos negros.
Nacionalmente, segundo o TSE, 47,79% dos candidatos às eleições deste ano são brancos, 39,46% são pardos, 10,46% são pretos, 1,54% não forneceram informações, 0,4% são indígenas e 0,35% são amarelos. Conforme levantamento da Folha de São Paulo, pelo menos 21 mil desses postulantes mudaram a declaração de cor para o pleito deste ano.
OPORTUNISMO E REALIDADE
Pesquisador de negritudes, o mestre em História Social, professor e cientista social Hilário Ferreira avalia o fenômeno por duas vertentes: real autoidentificação e oportunismo.
“É possível que alguns candidatos negros e que antes se consideravam pardos tenham assumido sua negritude em razão das lutas do Movimento Negro e se conscientizado. Entretanto, há um fato importante que deve ser levado em consideração e que se liga ao oportunismo da branquitude. Esse número de candidatos que manipulam sua cor, quando não por ignorância, o fazem por oportunismo. É só dar uma olhada na foto de alguns e ver que são brancos. Podem ser orientados pelos partidos a usarem das cotas raciais para garantirem recursos e as próprias candidaturas.”
Ele refere-se à recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a divisão igualitária dos recursos eleitorais entre candidaturas brancas e negras. A princípio, a medida valeria somente para o pleito de 2022, mas teve a promulgação antecipada para este ano, segundo o presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, para “estimular candidaturas negras.”
Essa nova determinação orçamentária muda a distribuição do Fundo Partidário. A mudança de cor de muitos candidatos pode significar, portanto, uma estratégia para acesso a mais recursos dentro dos partidos )e, consequentemente, mais meios de sair vitorioso nas eleições).
RANKING DOS QUE MUDARAM DE COR/RAÇA POR PROPORCIONALIDADE DO NORDESTE
Fortaleza: 45% dos candidatos mudaram de cor/raça
Salvador: 33% dos candidatos mudaram de cor/raça
Teresina: 30% dos candidatos mudaram de cor/raça
João Pessoa: 28% dos candidatos mudaram de cor/raça
Aracaju: 18% dos candidatos mudaram de cor/raça
Recife: 18% dos candidatos mudaram de cor/raça
São Luís: 16% dos candidatos mudaram de cor/raça
Alagoas: 10% dos candidatos mudaram de cor/raça
Natal: 7% dos candidatos mudaram de cor/raça
RANKING DOS QUE MUDARAM DE COR/RAÇA POR NÚMEROS ABSOLUTOS NO NORDESTE
Fortaleza: 5 candidatos mudaram de cor/raça
João Pessoa: 4 candidatos mudaram de cor/raça
Teresina: 4 candidatos mudaram de cor/raça
Salvador: 3 candidatos mudaram de cor/raça
Aracaju: 2 candidatos mudaram de cor/raça
Recife: 2 candidatos mudaram de cor/raça
São Luís: 2 candidatos mudaram de cor/raça
Maceió: 1 candidato mudou de cor/raça
Natal: 1 candidato mudou de cor/raça
QUANTOS CANDIDATOS NEGROS CADA CAPITAL DO NORDESTE TEM
João Pessoa: 8
Aracaju: 7
Teresina: 7
Salvador: 6
São Luís: 5
Maceió: 4
Natal: 3
Fortaleza: 3
Recife: 2
TOTAL: 42 (de 105)
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Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.
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