LEGENDA DA FOTO EM DESTAQUE: Fileira 1: Jeová Mota (PDT), João Jaime (PP), Osmar Baquit (PDT) e Fernando Hugo (PSD). Fileira 2: Sargento Reginauro (União Brasil), Jô Farias (PT), Luana Ribeiro (Cidadania), Davi de Raimundão (MDB) e Firmo Camurça (União Brasil). Fileira 3: Moisés Braz (PT), De Assis Diniz (PT), Danniel Oliveira (MDB), Romeu Aldigueri (PDT) e Queiroz Filho (PDT).
Quinze dos 46 nomes eleitos no último domingo (2/10) para serem deputadas e deputados estaduais do Ceará pelos próximos quatro anos autodeclararam-se negros à Justiça Eleitoral. São, portanto, 32,6% do total e representam 877.411 votos totais, sendo divididos em 12 homens e apenas duas mulheres.
Analisando a foto enviada por elas/eles ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porém, nem sempre é possível encontrar traços físicos que as/os caracterizem como negras/os. Pela classificação étnico-racial vigente no Brasil, formam a população negra do país as pessoas que se declaram pretas e pardas. E é justo o critério fenotípico – em especial cor da pele, formato dos lábios e nariz e textura dos cabelos – que se considera para estes enquadramentos.
Dos 14 nomes, apenas um coloca-se como preto. Todos os 13 demais dizem ser pardos e alguns mudaram a autodeclaração racial em relação a pleitos passados. É o caso de Romeu Aldigueri, do PDT.
Ele teve 90.399 votos e autodeclarou-se branco quando concorreu na eleição de 2018 ao cargo de deputado estadual. Também foi eleito à época. Agora, quatro anos depois, vai dar continuidade ao mandato num pertencimento racial diferente, como pardo, sendo o sexto mais votado.
Também veterano na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), o deputado Danniel Oliveira, do MDB, diz ser pardo há duas eleições. Neste ano, ele foi eleito com 63.643 votos. No pleito de 2014, no entanto, o parlamentar informou ao TSE que era branco.
Jeová Mota, do PDT, tem histórico de declarar-se branco à Justiça Eleitoral desde 2014. A partir do pleito deste domingo, passou a ser pardo. Teve 68.881 votos.
Na eleição de 2018, João Jaime, um decano da Alece e hoje no PP, afirmou ao TSE ser branco. Neste ano, passou a ser negro por dizer-se pardo. 76.053 votos.
Hoje pardo, o deputado Queiroz Filho informou à Justiça Eleitoral em 2018 ser branco. Conseguiu no pleito deste ano um total de 64.374 votos.
Todos os comparativos desta reportagem são possíveis de serem feitos por qualquer eleitor. Os dados estão disponíveis na plataforma do TSE para divulgação de candidaturas e contas eleitorais. O Ceará Criolo consultou os registros de todos os 46 eleitos, filtrou os 15 que se disseram negros nas eleições deste ano e contrastou com a documentação apresentada em anos passados.
ESPECIALISTA CHAMA DE OPORTUNISMO
Mestre em História, o cientista social Hilário Ferreira pesquisa indivíduos pardos e participa de bancas de heteroidentificação, lidando de forma recorrente com questões sobre identidade racial. Para ele, a ausência de um debate sério sobre relações raciais no Brasil favorece que pessoas não negras declarem-se como tal, prejudicando, assim, a compreensão do imaginário popular sobre quem deve ser, por exemplo, beneficiado por políticas afirmativas.
“Como não há um debate, a não ser dentro do movimento negro e o movimento indígena, esse debate sobre pardo é apropriado por intelectuais que passam a dar o significado de pardo ao conceito de mestiço. Ou seja: o pardo passa a se identificar mestiço, quando, na sua origem, pardos eram pessoas de pele escura. Basta ver a origem na Carta de Pero Vaz de Caminha, que cita negros como negros da terra e, em 1872, quando pardos significam os negros livres”, detalha Ferreira.
Ele qualifica a postura de pessoas não negras que se declarem negras como “desonestidade intelectual patrocinada por quem está a serviço da branquitude para dificultar as cotas, porque as cotas trazem negros a estarem juntamente com pessoas brancas dentro de espaços que antes eram exclusivos dessas pessoas brancas.”
De acordo com o historiador, políticos não negros que se declaram negros são exemplo de como a sociedade, ainda resistente à presença de pessoas pretas e pardas em espaços de poder, reage a essa possibilidade ao forjarem uma identidade que não têm para ocuparem esses lugares e, assim, impedirem a entrada de pessoas realmente negras.
“As políticas afirmativas rompem com o projeto político do racismo estrutural e da branquitude de colocar os negros no lugar da subserviência e da subalternidade. Elas retiram essa negrada daí. Então, quando isso chega nos partidos, a gente percebe o oportunismo de pessoas que, em outras situações, jamais se declarariam pardas”, pontua o pesquisador.
Para acessar a plataforma do TSE, clique aqui.
CONFIRA A LISTA DOS 46 NOMES ELEITOS PARA A ALECE.
Carmelo Neto (PL): 118.603 votos – BRANCO
Evandro Leitão (PDT): 113.808 votos – BRANCO
Marta Gonçalves (PL): 112.787 votos – BRANCA
Fernando Santana (PT): 111.639 votos – BRANCO
Sergio Aguiar (PDT): 97.522 votos – BRANCO
Romeu Aldigueri (PDT): 90.399 votos – PARDO
Zezinho Albuquerque (PP): 85.138 votos – BRANCO
Dra Silvana (PL): 83.423 votos – BRANCA
Gabriela Aguiar (PSD): 83.128 votos – BRANCA
Renato Roseno (PSOL): 83.062 votos – BRANCO
Claudio Pinho (PDT): 82.267 votos – BRANCO
Osmar Baquit (PDT): 79.769 votos – PARDO
Prof. Alcides Fernandes (PL): 79.207 votos – BRANCO
David Durand (Republicanos): 78.419 votos – BRANCO
Guilherme Landim (PDT): 76.726 votos – BRANCO
João Jaime (PP): 76.053 votos – PARDO
Marcos Sobreira (PDT): 72.183 votos – BRANCO
Jeová Mota (PDT): 68.881 votos – PARDO
Agenor Neto (MDB): 68.289 votos – BRANCO
Antônio Henrique (PDT): 67.148 votos – BRANCO
Lia Gomes (PDT): 67.000 votos – BRANCA
Queiroz Filho (PDT) 64.374 votos – PARDO
Daniel Oliveira (MDB): 63.463 votos – PARDO
De Assis Diniz (PT): 63.253 votos – PARDO
Moisés Braz (PT): 63.149 votos – PRETO
Oriel Filho (PDT): 60.642 votos – BRANCO
Firmo Camurça (União Brasil): 57.836 votos – PARDO
Salmito (PDT): 56.624 votos – BRANCO
Leonardo Pinheiro (PP): 56.059 votos – BRANCO
Alysson Aguiar (PCdoB): 55.449 votos – BRANCO
Davi de Raimundão (MDB): 55.112 votos – PARDO
Dr. Oscar Rodrigues (União Brasil): 54.066 votos – BRANCO
Dr. Lucílvio Girão (PSD): 52.368 votos – BRANCO
Luana Ribeiro (Cidadania): 51.548 votos – PARDA
Jô Farias (PT): 47.816 votos – PARDA
Julinho (PT): 46.082 votos – BRANCO
Juliana Lucena (PT): 45.474 votos – BRANCA
Missias do MST (PT): 44.853 votos – BRANCA
Sargento Reginauro (União Brasil): 41.635 votos – PARDO
Larissa Gaspar (PT): 37.887 votos – BRANCA
Felipe Mota (União Brasil): 36.949 votos – BRANCO
Dr. Hugo (PSD): 36.880 votos – PARDO
Apóstolo Luiz Henrique (Republicanos): 35.149 votos – BRANCO
Emilia Pessoa (PSDB): 33.275 votos – BRANCA
Lucinildo Frota (PMN): 21.751 votos – BRANCO
Stuart Castro (Avante): 17.243 votos – PARDO
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