A Universidade Federal do Ceará (UFC) cancelou matrículas de 13 estudantes que iam ingressar na instituição por meio de cotas raciais. A maior parte dos candidatos seria para Medicina.
O curso é um dos mais concorridos do país pelo atual sistema de ingresso via Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A decisão ocorreu após a UFC verificar irregularidades no processo de heteroidentificação.
Conforme a Lei nº 12.711/2012 (a chamada Lei de Cotas), as vagas são reservadas a candidatos pretos e pardos (população negra) ou indígenas. A legislação define que as Instituições de Ensino Superior (IES) e as instituições de ensino técnico de nível médio vinculadas ao Ministério da Educação (MEC) são obrigadas a reservar 50% das vagas para candidatos(as) cotistas. A lei não é aplicada em universidades estaduais e privadas.
Conforme a UFC, o procedimento de heteroidentificação teve início em 27 de fevereiro, com 20 estudantes convocados. O processo (sigiloso) ainda permanece em execução, em fase de recurso. Em 2019, 14 candidatos foram convocados para o sistema de cotas e apenas um foi considerado cotista.
Como funciona a heteroidentificação
A heteroidentificação é um processo no qual se identificam as características fenotípicas (físicas e estéticas) dos candidatos. Desse modo, os alunos são encaminhados a uma comissão, formada por 15 membros. Desses, cinco fazem parte da comissão principal, cinco da revisional e cinco da suplente.
Aqueles que se candidatam às vagas reservadas aos pretos e pardos podem ser convocados para realização do procedimento a qualquer momento. De acordo com a UFC, ainda se parte do pressuposto legal da validade do termo de autodeclaração assinado pelo ingressante no ato da matrícula.
Os pedidos de enquadramento de universitários que ingressaram pelas vagas da Lei de Cotas são verificados após denúncias feitas à Ouvidoria Geral da UFC.
Confira nota da UFC na íntegra:
Nos últimos processos seletivos, realizados sob a Lei nº 12.711/2012, a ocupação das vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas estava condicionada à entrega de uma autodeclaração, assinada pelo candidato, no ato da primeira matrícula. Entretanto, os canais de comunicação da UFC com a sociedade, especialmente a Ouvidoria, vinham recebendo denúncia de ocupação indevida, especialmente nos três últimos anos. A Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD/UFC) passou a dialogar com as demais Universidades Federais para estabelecer um meio de coibir condutas contrárias aos objetivos da lei. A Procuradoria da República no Ceará, por sua vez, ajuizou Ação Civil Pública, em 2017, também com base em denúncias, para levar a discussão ao Judiciário.
Nessa ação, a Universidade, o Ministério Público e o Judiciário puderam, em diálogo, estabelecer um modelo que atendesse às exigências de moralidade que se coadunam com a ação pedagógica e transformadora de uma Universidade. Foi determinado, por meio da sentença judicial, em abril de 2019, que a UFC deveria formular e implementar um sistema complementar à autodeclaração. Dessa forma, a Instituição adotou o modelo de heteroidentificação, já utilizado nos concursos públicos com reserva de vagas, diminuindo a condição exclusiva e absoluta da autodeclaração.
A ocupação de vagas PPI ainda exige que o candidato assine a autodeclaração, mas tal documento poderá ser confrontado com relatório emitido por uma comissão de cinco membros, composta em atenção à diversidade de cor e gênero, que, presencialmente, fará uma identificação fenotípica com os estudantes convocados a partir de denúncias de ocupação irregular. Em caso de divergência entre a autodeclaração e o relatório da comissão de heteroidentificação, o candidato poderá solicitar uma segunda verificação por comissão diferente da primeira. Se persistir a divergência, o estudante deverá ter sua matrícula cancelada pelo não enquadramento às condições de cota pleiteada.A UFC entende que, como executora de uma política pública, e diante de denúncias, tem o dever institucional de aprimorar o sistema de ocupação das vagas em reserva. É a melhor forma de assegurar o cumprimento da Lei, colaborando para o primado da Justiça e da Ética.
Jornalista. Tem experiência nas áreas de Radiojornalismo (Rádio O POVO CBN), assessoria de comunicação (Defensoria Pública do Estado do Ceará) e webjornalismo e jornalismo impresso (Portal O POVO Online). Trabalhou como voluntária de marketing social na Fundación Sotrali em La Plata, Argentina. Passou pela redação do jornal sul-africano Mail & Guardian como repórter freelancer em Joanesburgo, África do Sul. É preocupada com questões raciais desde os 18 anos, quando se descobriu negra. Tem um pé na Moda.