Nenhum estado brasileiro será administrado por um governador autodeclarado preto pelos próximos quatro anos. Todos os 27 eleitos em outubro, seja em primeiro ou segundo turno, para o mandato 2019-2022 apresentaram-se ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – e, consequentemente, ao eleitorado – como brancos ou pardos.
Sintomático. Senão, vejamos.
Mais da metade da população brasileira (54%) se diz negra. Ou seja: preta e parda. Norte e Nordeste concentram os maiores percentuais dessa etnia. Há estados nos quais o índice beira 80% da população total. Mas nem isso foi garantia para essas regiões elegerem governadores pretos.
Em TODAS as regiões, os candidatos autodeclarados brancos venceram numericamente. E em três (Centro-Oeste, Sudeste e Sul) sequer há pardos entre os eleitos. Tive o cuidado de acessar os dados de cada estado. Publico aqui para a distribuição étnico-racial da qual falo ficar mais clara.
NORTE: 4 brancos, 3 pardos e 0 pretos.
NORDESTE: 5 brancos, 4 pardos e 0 pretos.
CENTRO-OESTE: 4 brancos, 0 pardos e 0 pretos.
SUDESTE: 4 brancos, 0 pardos e 0 pretos.
SUL: 3 brancos, 0 pardos e 0 pretos.
TOTAL: 20 brancos, 7 pardos e 0 pretos.
Importante ressaltar que a classificação étnico-racial é feita pelo próprio candidato no ato do registro da candidatura. Ou seja: trata-se de como ele se enxerga diante das informações e vivências que acumula sobre identificação com determinado povo. E o povo preto, como bem sabemos, é alijado na história do nosso país. Ser preto não é vantagem.
Nunca foi. Demoradamente será.
Falo tudo isso não para defender que o simples fato de um candidato autodeclarar-se preto deve fazer dele o vencedor da eleição. Mas para escancarar o quanto pretos estão longe de ocupar espaços de poder. Na verdade, estão distantes até de disputar esses espaços. Porque simplesmente não têm condições de fazer isso.
Majoritariamente, a população preta está relegada às periferias. Justo onde há escassez de tudo, especialmente do básico. A escola é ruim, o posto de saúde não funciona, o emprego não aparece, sustentar a família é um imperativo, a ausência do Estado empurra o crime para o topo do morro e o Governo só chega pra reprimir. Pra invadir. Pra prender. Pra matar.
Difícil existir algum quadro qualificado para disputar eleição, ainda mais uma majoritária, como a de governador, diante de um cenário tão desfavorável e recorrente. Com escassos candidatos pretos, a população negra tem poucas chances de se identificar com algum. Menos ainda de eleger alguém, diante da natural pulverização dos votos com tantos outros nomes (quase sempre acompanhados de tantas outras influência$).
Sem um número expressivo de representantes políticos, os pretos veem suas demandas (pessoais e coletivas) correrem à margem de tudo. Deparam-se com um candidato a presidente de “ideologia” à extrema direita afirmando o absurdo de o Brasil não ter dívida alguma com o povo preto, e 55% do eleitorado compactuando com o discurso de ódio dele.
É uma conta simples. Quanto menos espaços nós, negros, ocuparmos, sejam eles políticos ou não, menos vamos ser lembrados. Menos vamos ser valorizados. Menos vamos ser resgatados do lugar de insignificância onde muitos insistem em nos colocar.
Nosso lugar é nos plenários (também como parlamentares e não apenas como serviços gerais). Nosso lugar é nos tribunais (também como magistrados e não como réus). Nosso lugar é nos palácios (também como senhores e não como serviçais).
Nosso lugar é o Brasil.
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.
2 comentários
Precisamos de candidaturas identitárias, sim! Mais mulheres, mais gays, lésbicas, homens e mulheres trans, mais negras, negros e trabalhadores nos parlamentos e nos executivos. Chega de subrepresentação!
Chega de subrepresentação! Obrigada por nos acompanhar e pelo carinho, Samira <3