Dediane Souza me recebeu em casa horas após tomar conhecimento de duas notícias: 1) receberia o título de cidadã honorária de Fortaleza e 2) havia sido eleita por 71 representantes de movimentos sociais a madrinha da Parada pela Diversidade Sexual do Ceará em 2024. O coração, então, estava a mil. Afinal, foram 20 anos dedicados à coordenação do evento e vivendo numa cidade completamente diferente de Santana do Acaraú (CE), onde nasceu.
Preta, sertaneja, travesti e periférica, ela fala de todos esses lugares sociais (e de vários outros que a compõem) para dar um recado: é preciso mudar nosso modelo de sociedade. E a Parada vem para pautar isso. A começar pela esfera política, na qual hoje o número de representantes LGBTs, aumentou, é verdade, mas ainda está longe do ideal.
Como madrinha da maior Parada do Nordeste e uma das maiores do Brasil, Dediane reflete sobre o que esse movimento significa e diz o quão necessário é investir em ações no decorrer do ano. Porque, afinal, todos somos LGBTs todos os dias e não somente em 28 de junho, quando celebramos o orgulho gay, lésbico, travesti, transexual, queer, não binário, pansexual, intersexo…
Ela é a terceira travesti eleita madrinha da Parada do Ceará. A segunda preta. Algo simbólico para um evento que acontece desde 1999 e está na sua 23º edição. E sim, a travesti-preta-sertaneja-periférica tem muito a dizer. MUITO. A questão é: você está disposto a ouvir? E mais: está disposto(a) a ouvir? Nem sempre é confortável. E é pra causar desconforto mesmo.
Senhoras e senhores, Dediane Souza!
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CEARÁ CRIOLO: Depois de 20 anos trabalhando na coordenação da Parada pela Diversidade Sexual do Ceará, como você recebeu a notícia de ter sido eleita pelos movimentos sociais a madrinha da edição deste ano?
DEDIANE SOUZA: Recebi com muita felicidade, porque acho que é o reconhecimento da minha dedicação à Parada, mesmo entendendo que quando se pensou essa ideia de madrinha da Parada não é o que temos hoje. Nos últimos anos, isso vem se modificando. Num primeiro momento, se pensava em termos como madrinha uma aliada. Uma pessoa de fora da comunidade LGBTQIAPN+, mas que tivesse o compromisso com a ideia da livre orientação sexual, do respeito aos direitos humanos e que tivesse uma influência em algum lugar. Isso vai da primeira edição até a 15ª. Damos uma pausa e voltamos no ano passado, com a Luma Andrade. E, esse ano, eu, numa perspectiva do reconhecimento da relação com a Parada.
Eu tenho relação com a Parada desde 2005, quando eu vou pela primeira vez. E, desde então, eu não deixei mais de ir, a não ser no ano passado, porque eu estava fora do estado fazendo o doutorado. Então, é uma relação de quem conhece a Parada, é do segmento e circula por outros lugares. Porque mesmo eu me tornando uma grande ativista dos direitos humanos da população LGBT, eu acabo circulando pela academia e pela gestão pública. É de um processo que a Parada toma uma grande proporção no debate público e a gente também vai avançando no que a Parada significa para o Ceará e para as nossas vidas.
Então, ainda nessa questão da madrinha, a gente passa a deixar esse lugar da aliada e passa pra alguém que tem um protagonismo direto com a parada, seja uma sujeita diretamente beneficiada pela Parada ou alguém que está ali pro debate público. Porque eu acho que a centralidade da Parada é essa: é promover o debate público sobre questões que estamos tratando no cotidiano. Quando a gente pega o tema da Parada, a gente percebe que é um tema eleito para se fazer um grande debate público. E um dos compromissos da madrinha é fazer esse debate público. É alcançar outros espaços pra tratar dessa temática.
CEARÁ CRIOLO: E são muitas as demandas, né…
DEDIANE: Nesse um pouco mais de duas décadas, a Parada vem pautando vários temas. Então, é interessante perceber como a discussão sobre algumas questões se popularizam através da Parada. Por exemplo: quando a Parada traz a ideia de estado laico, de o que é essa laicidade do Estado, acaba pautando um debate muito mais amplo do que os direitos humanos da população LGBT e diz que o Estado é laico na sua integralidade, no respeito às religiões de matrizes africanas, ao livre culto. E passa a discutir que o estado brasileiro não pode legislar a partir de religião x ou y. Esse é um debate muito amplo que a Parada puxa, quando ela faz a defesa da democracia. Que democracia é essa? A Parada se configura como um instrumento de luta. De luta não só dos direitos sexuais, mas de uma democracia ampla. De uma democracia que se reconheça as diferenças. Quando se foi discutir união homoafetiva a Parada teve o tema “Direitos Humanos: nem mais nem menos”. Então, a Parada acaba agregando um conjunto de lutas para além da luta LGBTQIA+, porque a gente entende que a Parada é contra todos os tipos de discriminação. Porque a estrutura da LGBTfobia é a mesma da misoginia. Então, a violência de gênero é uma marca central da LGBTfobia. Se a gente não reconhece as religiões de matriz africana, se a gente não reconhece o racismo, a gente não vai acabar com a LGBTFobia. A gente precisa discutir todas essas opressões que estruturam essa lógica de violência.
A Parada se configura como essa grande frente de disputa. E a parada do Ceará sempre foi muito mais vanguardista do que a Parada, por exemplo, de São Paulo. A parada de São Paulo sempre foi muito mais mercadológica. E não estou dizendo que é bom ou ruim. Não estou fazendo esse juízo de valor. Estou dizendo que é diferente, dentro da dimensão de que a Parada do Ceará não tem essa grande cobiça pelo mercado. O mercado não cobiça a Parada numa dimensão de querer financiar a parada. Então, a Parada acaba sendo realizada com recursos públicos, às vezes, quase militante, anualmente. Mas que tem uma estrutura gigantesca, de mobilizar muita gente. Da mesma forma que a Parada está no calendário, ela é colocada de escanteio pela briga de recursos.
Eu, enquanto uma pessoa que sempre esteve envolvida com a Parada, e agora com essa relação que não é mais a relação de alguém que coordena a Parada mas sim que está sendo homenageada por ela, que de alguma forma tem o compromisso político de levar o debate público, eu passo a olhar a Parada por outro prisma. Eu já olhei a Parada como alguém que participava da Parada. Já olhei a Parada como uma trabalhadora da Parada. Já olhei a Parada como lugar de gestora que financiou a Parada. Já estive um ano fora e vim pra contribuir. E, agora, o olhar de madrinha. É mais um olhar. É um olhar de dizer que meu compromisso em 2024 é de fazer ecoar a importância dessa manifestação pro debate público em defesa da democracia, em defesa aos direitos humanos, no combate ao racismo e a todos os tipos de discriminação. É muito mais o lugar de uma embaixadora da Parada. Mas entendendo também que há muitas limitações de circular por esses lugares, por se tratar de uma travesti preta, né? Mesmo eu tendo circulado em vários lugares, eu ainda tenho minhas limitações de circular, porque a estrutura é racista e travestifóbica. Tem essa coisa de “como pode a Dediane ser a madrinha da Parada?”.
As pessoas colocam a madrinha num lugar de glamour. E não é esse lugar que a gente tá reivindicando. Mas um lugar do debate público. Meu compromisso é coletivo. Não é diferente dos meus outros compromissos. É de levar essa ideia da Parada como uma centralidade do debate público. Então, eu fico muito honrada de poder fazer isso. Mas entendendo todas as violências desses lugares. É uma experiência nova. Não sei como vou lidar com esse processo, entendo que também a gente precisa do convencimento da sociedade como um todo da importância desse processo de escolha.
CEARÁ CRIOLO: Como você percebe que a sociedade compreende a dimensão política da Parada quando o Ceará é um dos estados que mais mata pessoas LGBTs no Brasil?
DEDIANE: A Parada, por si só, não consegue responder tudo isso. Nós temos uma Parada que leva uma massa pra avenida na mesma cidade que vai ter um conjunto de números alarmantes no cotidiano. A Parada é, então, um grande mecanismo de mobilização de lutas. Mas ela é só uma estratégia. Junto dela, tem que existir outras grandes estratégias. A Parada se torna um evento de massa, um evento cultural, é um momento de mobilização, é um momento de denúncia, é um momento de festa, mas é também a coroação das nossas lutas cotidianas.
Precisa-se construir no cotidiano da cidade, dentro dos compromissos e dos marcos das políticas públicas, de uma sociedade do respeito. Inclusive no tocante às narrativas discursivas. A Prefeitura de Fortaleza e o Governo precisam pensar numa rede de proteção e de promoção dos direitos das populações LGBTQIAPN+. Em toda a sua dimensão. É no campo da saúde, com a garantia de ambulatório. É no campo da educação, com uma educação comprometida com a diversidade e que reconheça as diferenças. É pensar numa cidade onde a diferença seja valorizada. E pensar a cidade é pensar a cidade como um todo. Desde a estrutura arquitetônica aos compromissos ideológicos. Nós precisamos construir essa cidade que diga que o direito da população LGBTQIAPN+ é importante.
Eu passei por três momentos de gestão diferentes e digo, com muita franqueza, que não se faz política pública sem duas coisas centrais. A primeira: com o reconhecimento do problema. Ou seja: o gestor, o prefeito, incorporar nas narrativas discursivas que é contrário às violências contra a população LGBTQIAPN+. Isso é fundamental! Não adianta estar nos compromissos eleitorais e isso não fazer parte do cotidiano. É necessário e importante. E a outra coisa é recurso. Não se faz política sem dinheiro. Precisa alocar recurso para a construção de estratégias. E são estratégias que pensem uma mudança de comportamento.
É algo muito maior do que apenas ações pontuais. É construir grandes programas de combate à LGBTQIAPN+fobia. É ter programas que todas as áreas da gestão respirem o compromisso que o gestor assume na sua retórica cotidiana. É colocar no cotidiano essa luta como uma luta prioritária. Isso precisa estar incorporado. E pensar que as demandas da população LGBTQIAPN+ não é apenas de direitos humanos. Mas que envolve um conjunto de secretarias e investimentos. Algo que precisa ser sustentado e ser feito sem medo. Se é uma pessoa que tem medo dos adversários, é uma gestão que não vai avançar.
Mas no mesmo ponto que somos um estado LGBTQIAPN+fóbico, também temos um dos estados que mais avançou no campo legislativo. E aí o Grab toma uma frente muito importante, porque esteve à frente de muitas dessas discussões. Desde a lei orgânica do Ceará até a Lei Municipal nº 8.211, que reconhece a discriminação contra a população LGBTI+ nos estabelecimentos comerciais e públicos, até a última discussão que a gente teve sobre gênero e diversidade sexual dentro do plano estadual de educação. Por aí a gente tira. A gente tem um processo de ação e reação constante.
Fora isso, a gente percebe o que o que alguns intelectuais chamam de movimento neoconservador, e as pautas de direitos humanos passam por um processo de perseguição nos parlamentos. Quando a gente traz a legislação municipal e a legislação estadual e a gente compara com as iniciativas do Congresso Nacional, a gente percebe que Fortaleza e o Ceará estão anos-luz à frente. Mas de que forma a gente transforma essas legislações em narrativas de disputas do cotidiano. Que estruturas são essas? O que a gente ainda não rompeu?
Parece clichê. Mas é uma disputa cultural. De disputa de narrativa de cotidiano. Mas não é só o parlamento ou o governo e suas esferas. Tem uma disputa que a mídia desenvolve como tentáculo do estado muitas vezes.
CEARÁ CRIOLO: Você estudou isso no mestrado que fez em Antropologia e vive isso no seu corpo. Qual papel os meios de comunicação exercem em torno do imaginário que socialmente nós temos sobre pessoas LGBTQIAPN+?
DEDIANE SOUZA: Alguns elementos que eu já apresentei sobre a posição dos gestores públicos eu diagnostiquei na minha pesquisa. Tipo: usam categorias genéricas para falar de um assassinato que foi travestifóbico. Utilizam outras palavras para não nomear a violência. Eu comprovo na minha pesquisa que o ato de nomear é central. Esse ato de dar nome às coisas é importante. Eu, enquanto gestor, não nomeio que o que a Dandara passou foi uma violência travestifóbica, transfóbica ou LGBTQIAPN+fóbica, eu não reconheço aquela violência com a natureza que ela tem.
CEARÁ CRIOLO: E, no caso da Dandara, a Secretaria da Segurança nega que o crime tenha sido motivado por travestifobia. Não é que ela não reconheça o crime como travestifóbico. Ela nega que tenha havido um assassinato por este teor em 2017.
DEDIANE SOUZA: Sim. E é por isso que esse exercício de reconhecer e nomear é muito urgente. A imprensa vem mudando de narrativa. Isso é perceptível. A mídia tratava as travestis dos anos 1970 e 1980 e como trata agora. Existe uma mudança aí muito importante. A mídia alimenta o estigma da travesti ser um perigo. E, agora, a mídia noticia os assassinatos. Não se constrói uma agenda positiva dessas identidades travestis.
A gente precisa construir narrativas que deem humanidade às travestis. A gente vai trabalhar a mídia, e falo aqui do lugar de jornalista, com ineditismos e casos fora da curva, como a primeira professora travesti doutora do Brasil, a Luma Nogueira de Andrade, que é cearense; a gente vai ter também o agendamento que Janaína Dutra deu pra imprensa como sendo uma advogada e uma ativista de direitos humanos sendo travesti; e Thina Rodrigues também vai utilizar desse mecanismo da mídia pra denunciar as violências que as travestis enfrentaram e ainda enfrentam; e nós temos o caso Dandara, em 2017, que vai resultar numa grande cobertura midiática. Mas vai esquecer uma centralidade que é muito importante: o ato de dar nome. Isso é central na experiência travesti: o ato de se nomear.
Então, eu acredito que também vem mudando esse trato por conta de uma diversificação nessas redações. As redações estão cada vez mais diversas. Os jornalistas estão cada vez mais diversos. E a gente pode pensar isso a partir das cotas nas universidades públicas. Existe algo aí de um ativismo jornalístico dentro das redações. Mesmo entendendo que é um desafio esses jornalistas desempenharem esse papel. Mas eles estão disputando algumas pautas que são importantes. Porque são sujeitos. São pessoas LGBTQIA+ que também estão nesse lugar do fazer jornalístico. E aí a gente vê um jornalismo mais comprometido com a pauta de direitos humanos.
Mas é também interessante a gente entender que o compromisso é central na comunicação, que é o compromisso de educar, de informar. Então, como a gente vai construir essa ideia de uma imprensa que se comprometa com o combate à LGBTfobia? Não é só denunciar o assinato, mas construir narrativas de mudança de comportamento. De mudança de sociedade. É construir uma agenda positiva e não só uma agenda de tragédia. Isso caminha dentro de uma ideia que é importante pra reconhecer a humanidade das pessoas LGBTQIAPN+.
Mas também é preciso entender que as populações LGBTQIAPN+ vão ser atravessadas por outras dimensões, como a classe e da raça, por exemplo. As experiências dessas pessoas são interseccionadas. Então, temos que pensar nos reconhecimentos e nas representatividades. Quantas repórteres travestis a gente vê na televisão cearense hoje? Quem tá produzindo essas notícias? Quem são essas pessoas? É um processo de reconhecimento dessas diferenças. Dessas múltiplas identidades do povo cearense. Então, reconhecer a população LGBTQIAPN+ na sua integralidade, na sua dimensão diversa, é um compromisso de cidadania. É um compromisso de respeito.
CC: A Parada do Ceará é feita pelo Grab desde 1999. O que isso representa pro cenário de garantia de direitos da população LGBTI+?
DEDIANE SOUZA: Primeiro, é preciso que a gente diga o que é o Grab. Porque tem uma geração que nasceu em outro momento e não entende muito bem qual a finalidade do Grab. O Grab é fundado em um momento de violência, três anos após a reabertura do país. A gente estava saindo do processo de ditadura civil-militar e ainda tinha muitos resquícios da violência do Estado contra esses corpos dissidentes. Mas um coletivo de jovens se organiza pra fundar o Grab. E tem uma questão central aí: os primeiros dados de aids no Ceará.
O primeiro caso é datado de 1985. O Grab nasce em 1989, por um grupo de jovens que na época se reconhecia como homossexual. E o Grab já nasce como essa organização que trabalha com direitos humanos da população homossexual, nas primeiras respostas da epidemia de aids, e passa a fazer uma disputa inclusive narrativa. Há recorte de jornais que noticiaram “Funda-se o Asa Branca para lutar pelos direitos dos homossexuais.”
Então, o Grab trabalhou muito forte nesse primeiro momento na prevenção ao HIV. Essa é uma bandeira que o Grab levantou desde o início, mas também começou a discutir questões vanguardistas, como a Lei nº 8.211 e a Lei Orgânica do Município. E logo depois, no fim dos anos 1990, o Grab incorpora na sua luta, logo depois do Encontro Nacional de Travestis e Transexuais Liberados na Luta contra a Aids, uma caminhada que dá origem à primeira Parada. Então, a Parada é fruto da organização política das travestis e transexuais.
Desde então, a Parada do Ceará reconhece três travestis como madrinhas da Parada. Então, é algo muito fundamental. Primeiro foi Lena, ano passado foi Luma e agora sou eu. É interessante, porque a parada surge do movimento de travestis e transexuais organizado. O Grab realiza a primeira parada e começa a discutir o campo de cidadania nos anos 2000, inclusive contribuindo com a fundação de várias organizações no Norte e Nordeste brasileiros.
CC: Então, há um visível deslocamento no campo de atuação…
DEDIANE: Sim. O Grab vai ter várias frentes estruturadas. Esse debate de cidadania é estruturado no início dos anos 2000 e é o que a gente conhece até hoje. Por exemplo: o primeiro projeto de lei de união homoafetiva é datado de 1996, pela Marta Suplicy, então deputada federal. E a gente só vai ter resposta disso em 2011, com a regulamentação em 2013. É um processo. E o Grab vai trabalhar mais fortemente com essas pautas de direitos humanos. É um momento onde o movimento nacional também passa por um processo de organização, com a fundação da BGLT. Surgem diversos grupos e também no interior do Ceará. E o Grab contribui muito com isso, com o projeto Somos, que era da BGLT e o Grab coordenava no Nordeste.
No final dos anos 2010, o Grab aprova projetos com organizações internacionais pra trabalhar com mudança de comportamento e desenvolvimento institucional, e também trabalhar contra violências institucionais. Passa a trabalhar diretamente com juventudes, quando realiza um diagnóstico sobre jovens nas periferias de Fortaleza. E começa a se organizar enquanto uma rede, financiado por uma organização holandesa, e passa a trabalhar com direitos sexuais de jovens gays e outros HsH. É algo muito estruturante. E trabalha também com formação continuada para docentes e jovens educadores. O Grab tem algumas publicações sobre LGBTIfobia na escola. Vai trabalhar também com projetos comunitários para mudança de comportamentos. O Grab se torna uma grande referência no Brasil e entre 2012 e 2013, até 2017, o Grab passou a trabalhar também com qualificação profissional de jovens de periferia de Fortaleza.
Então, o Grab tem essa grande contribuição social. Para além da Parada, que é um evento de massa, além do eixo de massa, do ativismo, o Grab também executou diversas ações comunitárias. E aí é interessante a gente fazer uma análise de hoje. Como se organizam os movimentos sociais LGBTQIA+ hoje? Essa ideia de ter uma sede, uma organização e uma rotina ficou cada vez mais difícil, porque os financiamentos não pagam a estrutura física. Hoje, a gente percebe um novo modelo de ativismo. A gente vai ter diversas modalidades de ativismo que não são a mesma de quando o Grab foi estruturado, em 1989. E, ainda assim, o Grab sobrevive nessa grande agenda do movimento LGBT e os momentos de escassez de recursos.
E o Grab passa por um momento muito delicado, como o Brasil também passa. De um governo que andou na contramão dos direitos humanos. Que perseguiu os direitos da população LGBT. Elegeu a população LGBT como inimigo do estado, da nação e da família. E o Grab passa por um momento de se resguardar, como mais uma estratégia de sobrevivência. E teve o contexto pandêmico também. Mesmo sem iniciativas tão visíveis, o Grab tava organizado em rede e dando resposta a questões tão básicas, como cestas básicas para as manas.
Por isso, é sempre importante dizer que há algo muito maior do que a Parada. A Parada é só a coroação de tudo isso. A gente, que está no cotidiano, percebe a dimensão que é o Grab. E que dimensão ele tem nas nossas vidas enquanto ativistas. A gente não é apenas uma ativista. A gente entende a dimensão de um problema social no cotidiano. A gente também acaba se profissionalizando em discussões políticas, processos de mobilização.
O Grab forma um conjunto de ativistas no campo da atuação dos direitos humanos da população LGBT. E muita gente importante nacional e localmente fez parte desse movimento, como Janaína Dutra, Luiz Palhano Loiola, Alan Gomes, dentre outras dezenas de ativistas que não tiveram o mesmo destaque mas estão contribuindo até hoje, como o Ferreirinha, Rochinha, Chico Pedrosa, Orlaneudo Lima, Dary Bezerra, Labelle, eu, Alexandre Jova, Adriano Caetano, Delson… São dezenas de pessoas que fazem esse ativismo nessa cidade. Ou filiada a alguma organização ou na gestão ou no anonimato. São todas essas contribuições que fazem a gente celebrar os 35 anos do Grab, pra dizer o quanto o Grab foi e é importante no agendamento de uma sociedade do respeito. O quanto o Grab transformou vidas. E vidas de várias gerações.
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Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.