Prestes a iniciar operação no Brasil, a CNN divulgou nesta segunda-feira (27/1) uma foto dos apresentadores contratados da emissora. A postagem na conta oficial da empresa no Instagram causou furor porque muitos dos jornalistas já são conhecidos do público. De queridinhos [como Evaristo Costa] a odiados [como William Wack].
Bati o olho e algo me incomodou. Por ser novato na luta do antirracismo e pela igualdade racial, demorei a me dar conta de que meu olhar me condicionou a enxergar o óbvio: a branquitude absurda e naturalizada daquilo tudo. Dos 15 âncoras, apenas a negritude de Luciana Barreto salta aos olhos. E muito mais pelo cabelo do que por ela ser retinta.
Das 14 demais pessoas na foto, duas [no máximo e sendo bastante otimista] poderiam apresentar-se como pardas – elevando para três a representatividade negra no casting. Três negros entre 15 apresentadores. Isso significa míseros 20% do total. Ou seja: 80% de apresentadores brancos num país com quase 70% da população autodeclarada negra.
Tão absurda quanto essa estatística é a romantização de tudo isso. Nós vivemos numa terra que só existe porque muitos negros foram escravizados, lutaram e morreram. Na qual muitos negros ainda são escravizados, lutam e morrem. Um país onde ano após ano aumenta a quantidade de cidadãos que se reconhecem pretos e pardos, inúmeros deles após um processo doloroso diante do bombardeio diário que sofrem [que todos nós, negros, sofremos] de racismo e exclusão.
Mas a galerinha do Instagram está lá, como diz a juventude de hoje, lacrando e passando pano para mais essa disparidade. Comemorando, inclusive, a contratação de William Waack, demitido da Globo em 2017 após vazamento de um vídeo que o mostra fazendo comentários racistas.
É claro que sei do caráter empresarial da CNN Brasil e das demais emissoras de televisão [salvo as de caráter público]. Não sou ingênuo ao ponto de imaginar que fazem jornalismo por amor. Fazem por dinheiro. E o lucro só acontece com o telespectador satisfeito. Com audiência. E a gente sabe, porque é o que as televisões nos dizem o tempo todo em novelas e telejornais: o povo negro é associado à pobreza, ao trabalho braçal, à subserviência, ao sexo e a qualquer outra coisa diferente do profissionalismo, do talento, da intelectualidade e da credibilidade.
Meu Instagram tem só 1.500 seguidores. Estou bem distante dos mais de 400 mil fãs da CNN Brasil. Mas não se passaram dois minutos depois que eu compartilhei a foto dos apresentadores com o questionamento “Encontre o erro” pra uma amiga responder: “negros? Não temos.”
É bom saber que há gente atenta. Que minha bolha virtual é formada de gente que não precisa ser negra pra se dar conta de que algo está errado. A luta antirracista é muito solitária. Enquanto o mundo comemora a contratação dessa galera, a gente que aponta isso como um absurdo é visto como azedo. Invejoso. Melindroso. Mimizento. Quando, na verdade, a gente só quer ligar a televisão e ver que ela é feita de gente como a gente. Que um preto como eu também pode ser âncora de uma das marcas jornalísticas mais famosas do planeta.
Não dá mais pra achar normal ter tanto negro na rua e a tv fazer de conta que a gente não existe. Ou só existe quando é pra falar de morte, tráfico, assalto e ocupação de segundo escalão. E, francamente? Difícil imaginar que a CNN não encontrou mais jornalistas negros, talentosos e carismáticos para apresentação. Se foi esse o problema, me coloco à disposição.
Não se trata de desprestigiar os colegas contratados. Mas de expor o quanto nós, negros, somos deixados de lado. Parem de nos invisibilizar!
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.