A despeito de as grandes empresas de comunicação terem praticamente ignorado o fato de hoje, 13 de maio, também ser o dia da abolição da escravatura brasileira, a gente do Ceará Criolo quer aproveitar a data pra propor uma desconstrução de algo que uma vida inteira te disseram ser verdade.
Nem de longe Lei Áurea foi um presente da realeza portuguesa aos escravizados. Nem de longe significou a libertação do povo preto. Nem de longe abriu portas para uma nova vida. Ao contrário. Deixou desamparadas milhares de famílias negras. Milhões de pretos ficaram ao relento.
E isso tem reflexo até hoje no Brasil. Sim, 131 anos depois do fim oficial da escravidão, a gente ainda sofre, por exemplo, com a dificuldade de ingresso de negros no mercado de trabalho. Não enxerga ligação? E se eu disser que durante anos a população negra era PROIBIDA de frequentar a escola?
A libertação dos escravizados, na verdade, foi um abandono estatal. Os negros não viraram cidadãos. Foram transformados em indigentes, sem direitos garantidos, sem qualquer política inclusiva. Ou seja: faltou comida, faltou moradia, faltou estudo, faltou emprego, faltou renda, faltou tudo.
Automaticamente, a população negra amontoou-se em periferias. Foi empurrada para elas. Foi marginalizada. Estigmatizada. E tudo isso só se multiplicou ano após ano, chegando ao cenário que temos hoje: negros sendo a maioria dos piores índices sociais.
Somos nós, pretos, a maior quantidade entre os desempregados, os que mais são assassinados, os que mais apanham da Polícia, os que mais são vistos como perigosos, os que mais vivem nas ruas, os que mais estão nos sinais pedindo esmola, os que mais têm direitos negados pelo Estado.
Mas nada disso esteve nos jornais de hoje. Na verdade, nem o mito da Lei Áurea, esse que acabei de tentar desconstruir, esteve nos jornais de hoje. A população negra não mereceu qualquer destaque.
Às empresas de comunicação, então, o Ceará Criolo sugere: 13 de maio não é apenas dia de Nossa Senhora de Fátima. É também quando o povo preto, a maioria da população brasileira de hoje em dia, a base econômica deste país, foi completamente abandonada pelo poder público em 1888.
É essa a história que precisa ser contada. Que deve ser contada. Que deve ser construída em benefício da desconstrução de uma mentira perpetuada há tantos anos, de tantas maneiras, inclusive com a conivência da imprensa (e principalmente com o patrocínio do Estado).
Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.