Desde que se confirmou o último paredão do BBB 21 entre Gilberto, Camilla e Juliette, o Instagram e o Twitter estão soterrados de pedidos de mutirão de votos e postagens sobre os três participantes. É a final antecipada do programa. E, por isso, muito tem sido dito sobre o porquê de a única candidata branca dessa eliminação ser merecedora de ser salva não apenas agora como também de vencer a edição, cujo término acontece na próxima terça-feira (4/5).
Tenta-se, a todo custo, dizer que esse paredão está descolado de questões raciais e tem mais ligação com a trajetória, a narrativa e o merecimento de cada um. Pois bem. Lhes digo que não. Não é sobre nada disso. É, sim, a questão racial o principal componente desta eliminação. Ela grita e muita gente não ouve por comodismo.
Seguem os fatos.
Essa final antecipada é sobre raça primeiro pela questão óbvia de termos dois participantes negros disputando vaga contra uma mulher branca. Numericamente, a negritude é maioria. No gosto do público, não. Mesmo tendo a favorita – Juliette – uma coleção de declarações e posicionamentos problemáticos sobre orientação sexual e raça durante o programa. Mas vamos para além do óbvio quantitativo. Comecemos por Gil.
Gilberto é um homem negro cuja negritude foi/é questionada tanto por participantes do programa quanto pelo público. E é questionada desde o primeiro dia, com gente, inclusive, afirmando o absurdo de que se ele tomasse banho perderia a cor. Não importa se ele mesmo se declarou negro inúmeras vezes. Não importa se ele narrou episódios de racismo cotidiano que sofreu na vida. Nunca foi/é o suficiente para ele ser lido socialmente como negro. E isso por um motivo bestial: ter a pele clara demais. O velho e polêmico debate em torno do colorismo [sobre o qual, inclusive, já escrevi aqui].
Agora, neste paredão, o principal argumento da torcida é o de que Gil deve ir pra final porque, sendo negro, gay e nordestino, não terá as mesmas oportunidades que Juliette (branca e já dada como vencedora) e Camilla (por já ser “famosa”). Logo, ele mereceria o segundo lugar para receber os R$ 150 mil de premiação e ter como custear estudos e outros sonhos. Se o fato de ele ser negro pesa para a torcida decidir salvá-lo, não é preciso ser muito inteligente para concluir que o paredão é, então, sobre questões raciais.
Vamos à Camilla. Uma mulher de pele retinta cujos principais momentos na casa foram em torno do debate racial. Para quem não lembra: ela bateu boca com Karol e foi acusada pela cantora de intencionalmente colocar duas mulheres pretas em confronto direto; e esteve diretamente envolvida no episódio racista entre Rodolffo e João Luiz (aquele sobre a peruca). Ovacionada pela coragem de peitar Conká, a influencer tem sido achincalhada desde que defendeu o professor de geografia.
Por ter se posicionado publicamente contra o racismo, Camilla tem sofrido ataques sistemáticos nas redes sociais. É chamada de macaca e encardida, para dizer o mínimo. Ao justificar o porquê de merecer ir à final citando que quer aposentar a mãe faxineira, passou a ser ainda mais atacada e, agora, carrega também a pecha de vitimista e aproveitadora. Se todos esses argumentos são utilizados por torcidas de outros participantes para eliminá-la, também não é preciso ser muito inteligente para concluir que o paredão é, sim, sobre questões raciais.
Afora tudo isso, Juliette nunca teve, em nenhum momento de toda a edição, sua raça questionada ou atacada. Sua origem nordestina, sim, foi violentada covardemente. Mas raça? Nunca. Porque, afinal, socialmente, nós não enxergamos pessoas brancas como pessoas com raça. Raça é algo exclusivo de quem é negro, indígena, amarelo, indiano etc. É sempre o outro. Brancos são apenas…brancos. Ou, como sabiamente diz Grada Kilomba: “Uma mulher negra diz que é uma mulher negra. Uma mulher branca diz que é uma mulher. Um homem branco diz que é uma pessoa.”
É desonesto, portanto, afirmar que esse último paredão não tem nada a ver com raça e sim com trajetórias, narrativas e merecimentos. Alegar isso é reforçar o velho mito da democracia racial, de que somos todos iguais e vencemos ou não na vida única e exclusivamente por fruto do nosso esforço. Da mesma forma que democracia racial não existe, não há como dissociar de Gil e Camilla a questão racial pelo simples fato de todo o percurso dos dois no programa ter sido pautado pela raça. E por, óbvio, agora, como justificativa para eliminar ou manter, o componente racial estar escancarado no discurso dos fãs.
Mesmo tendo sofrido todo o ataque covarde do início do programa, Juliette foi favorecida (e o será pro resto da vida) pelo fato de ser branca. Ela não ouviu em nenhum momento que a própria cor sairia no banho. Não foi chamada de macaca. Não ouviu que tem a pele encardida. Não é chamada de vitimista quando dedica qualquer coisa à mãe. Não é apontada como raivosa (tal qual fazem com a Camilla) quando reage a uma injustiça. A raça foi/é, sim, um componente fundamental para Juliette ser o fenômeno que é enquanto Gil e Camilla sofrem os ataques que sofrem.
Isso, inclusive, é uma estratégia descarada do nosso jeitinho brasileiro de praticar o racismo: dividir para enfraquecer. E se baseia numa lógica simples (a mesma do colorismo), na qual muita gente cai com facilidade: brancos apontam defeitos em negros, deixam os negros digladiarem-se entre si enquanto eles, brancos, apenas assistem e, no fim, saem ilesos.
No caso do BBB, Juliette sairá também milionária, com mais de 23 milhões de seguidores no Instagram e uma previsão de rentabilidade mensal de R$ 1,7 milhão (mais do que o prêmio do programa, diga-se). Já Gil e Camilla, a caminhar como tudo caminha, devem ficar em quarto e segundo lugares. Isso com sorte e se Fiuk – um homem branco – não abocanhar a vice.
Nada de novo sob o sol da nossa visão atrasada de mundo, não é mesmo?
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Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.