Djamila Ribeiro conversou com o Ceará Criolo minutos antes de subir ao palco para ser a palestrante de honra da abertura do 19º Congresso Brasileiro de Assessores de Comunicação (Conbrascom). O evento aconteceu entre os últimos dias 6 e 8 de agosto na ilha de São Luís, capital do Maranhão.
Filósofa e escritora, a paulista falou para uma plateia de 300 profissionais de comunicação de todos os estados do país que atuam em instituições de sistemas de justiça. Foi categórica. Atribuiu à comunicação papel estratégico para a população, sobretudo a mais vulnerável, conhecer os próprios direitos. E sentenciou: “não tem como falar de nenhum tema no Brasil sem passar pela questão de raça e de gênero”.
A ativista acredita no jornalismo como ferramenta emancipadora de sujeitos. Como instrumento educativo, para fazer com que a população saiba a quem cobrar e, sobretudo, tenha ciência de onde procurar ajuda. Ou seja: uma comunicação que fale “com” em vez de falar “para” essas pessoas. “Quando se fala ‘com’, traz mais pessoas. Cativa mais pessoas”, acredita.
Ela defende a regulamentação do funcionamento das redes sociais no Brasil, diz que falta vontade política para essa pauta avançar e enaltece o papel das mídias negras para a formação do imaginário coletivo sobre pretos e pardos no Brasil.

Confira.
CEARÁ CRIOLO: Você já denunciou o quanto mulheres negras são vítimas prioritárias de ataques em redes sociais. Quais saídas você enxerga diante do contexto que a gente tem hoje de marco legal da Internet, o debate sobre censura, a extrema direita avançando e os ataques continuando?
DJAMILA: A gente precisa regulamentar as redes. Infelizmente, quando a gente fala em regulamentação, sempre tem um lado que já vai tratar isso com sensacionalismo e dizer que é censura. Mas não tem como. Você tem o Conar, que é um órgão que regulamenta a publicidade. Qualquer publicidade que seja considerada enganosa, você pode denunciar lá. Então, como que nas redes sociais a gente não tem isso?
Por mais que tenha o marco legal, ele não dá conta de tudo o que as redes sociais se tornaram. Do espaço de monetização pra falar de ódio. Quem são essas pessoas que estão financiando fake news e ódio? Tudo isso precisa ser discutido. É um debate fundamental quando a gente tá falando de acesso e de democratização das mídias em geral.
A gente acha que a Internet é um espaço democrático, mas esquece que são grandes empresas mais uma vez dominando a narrativa. Controlando a narrativa. Então, acho importante a gente debater com a seriedade que merece.

CEARÁ CRIOLO: Mas você enxerga um cenário favorável pra isso acontecer no Brasil de hoje?
DJAMILA: Olha, a gente tem visto algumas ações importantes nesse sentido de ter grupos que estão fazendo parte do governo e debatendo esses temas. Mas eu acho que falta mais coragem pra colocar o dedo na ferida. Coragem política, independente se vai ter pessoas contrárias. Porque nunca vai existir 100% de concordância. Mas é um debate fundamental.
Isso tem destruído vidas. A gente tá falando da exploração econômica do racismo, da misoginia, de vários tipos de opressão, de mentiras, de assassinatos de reputação… São debates fundamentais se a gente de fato está falando de democracia.
CEARÁ CRIOLO: Qual o teu olhar sobre o papel das mídias negras pra formação do imaginário do Brasil sobre o sujeito negro?
DJAMILA: A imprensa negra, desde o século 18 e 19, tem papel fundamental pro nosso país. Porque eram abolicionistas que falavam a partir da perspectiva de pessoas negras escravizadas. As pessoas acabam achando que isso é uma coisa nova, mas tem trabalhos aí mostrando o papel de jornais como o jornal do MNU, o JorNegro e outros jornais importantes. E acho que com as redes sociais há uma maior proliferação dessas mídias.
É por isso que eu falo da necessidade de as pessoas apoiarem mídias negras: porque muitas iniciativas terminam por falta de apoio econômico necessário. Então, é importante a gente falar sobre quem acessa esses recursos pra manutenção de mídias. E mídias, como as negras, que são importantes pra divulgação de autores negros, de pautas que muitas vezes a mídia hegemônica não vai tratar.
Eu sigo várias, apoio, mas é importante as pessoas compreenderem o trabalho estratégico delas e pararem de tratar como uma coisa menor. São mídias que trazem à tona debates fundamentais não só pra população negra, mas pro Brasil.

Comunicólogo e mestre em Antropologia, é especialista em Jornalismo Político e Escrita Literária e tem MBA em Comunicação e Marketing em Mídias Digitais. Foi repórter e editor dos jornais O Estado e O POVO, correspondente do portal Terra e colaborador do El País Brasil. Atua hoje como assessor de comunicação. Venceu o Prêmio Gandhi de Comunicação, o Prêmio MPCE de Jornalismo e o Prêmio Maria Neusa de Jornalismo, todos com reportagens sobre a população negra. No Ceará Criolo, é repórter e editor-geral de conteúdo. Escritor, foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020.