Todos precisamos saber onde buscar ajuda em caso de necessidade. O local varia conforme o perfil do caso. Uma pessoa em crise ou que tenha se autolesionado, por exemplo, deve ir a uma emergência de UPA ou Hospital imediatamente, enquanto alguém no início do transtorno e que não se colocou em risco iminente deve procurar um posto de saúde ou diretamente um Caps
Dois movimentos são fundamentais para quem apresenta problemas psicológicos e comportamentos de risco: falar e procurar ajuda. Amigos e parentes podem ser amparo, mas o melhor suporte vai vir de alguém especializado. Psicólogos, terapeutas, psiquiatras, enfermeiros e outros profissionais da saúde são fundamentais no processo de superação de uma dor mental.
Aos que precisam de apoio, é importante saber onde admiti-lo e encontrá-lo. “Existem estratégias que a gente pode se beneficia pra voltar a ficar bem com a gente ou conseguir lidar com a vida mesmo diante das dores, das perdas, das adversidades. Pra isso, a gente precisa primeiro reconhecer que está precisando de ajuda. Costumo dizer que o melhor antídoto para o sofrimento é o cuidado. Quando a gente recebe o cuidado adequado, a vida se potencializa”, destaca a psicóloga Alessandra Xavier.
Perfil majoritário dos casos de autodestruição do Ceará (85% das ocorrências em 2018), a população negra pode buscar esse cuidado tanto em equipamentos públicos quanto em espaços privados, alguns com os chamados preços populares. São Centros de Atenção Psicossocial (Caps), clínicas, universidades, institutos e postos de saúde, muito embora a rede pública tenha uma série de entraves.
Profissional que atua nesse universo há uma década, a enfermeira e terapeuta ocupacional Málbia Rolim acredita que a população tem conhecimento de onde procurar ajuda. O que falta muitas vezes, segundo ela, é discernimento para saber quando buscá-la. “O autocuidado, o cuidado mútuo e a melhoria nas relações interpessoais nos ajudam bastante a identificar o sofrimento psíquico a tempo de pedirmos ajuda. E esse suporte não precisa ser médico. Ele precisa ser especializado, acolhedor e que oportunize segurança para iniciar um processo de cuidados”, explica.
Todos os especialistas ouvidos pelo Ceará Criolo para o especial Vidas Negras Importam apontam que episódios de autolesão têm sido cada vez mais presentes nos serviços especializados em Saúde Mental e até mesmo nos espaços mais generalistas de atendimento, como emergências hospitalares. Para Málbia Rolim, esse adoecimento populacional é decorrente de determinantes sociais como desemprego, situação financeira, violência e relacionamentos disfuncionais.
Determinantes esses todos frequentes na rotina da população negra, especialmente dos indivíduos moradores de periferia. “Isso colabora cada vez mais para o aparecimento de sofrimento psíquico na população”, reforça a enfermeira e terapeuta ocupacional. A artesã L.S.G. (nome resguardado a pedido da entrevistada) conhece bem essa realidade. E sabe da importância de pedir ajuda.
“Faço terapia e sou acompanhada por um psiquiatra. Tive depressão profunda recentemente e entrei em risco iminente. Mudamos a medicação e eu consegui reagir. E estou aqui, lutando. O acompanhamento me permitiu ter outra vida. No caso do psiquiatra, eu trato de questões mais macro e ele faz pontuações que me ajudam como verdadeiras epifanias. E ele tem uma postura ativa. Na minha última sessão, ele percebeu risco no que eu falava e acionou imediatamente minha mãe, na minha frente. Ela foi até lá [o consultório], eles conversaram e começamos a mudança de tratamento. Não sei como teria sido se não tivesse um profissional qualificado ao meu lado. Não sei aonde meu sofrimento teria chegado. Só sei que não quero mais passar por aquilo.”
ENCONTRANDO CUIDADO
A Rede de Atenção Psicossocial (Raps) de Fortaleza dispõe de 15 Caps. O perfil de atendimento é formado por pessoas que apresentam sofrimentos psíquicos ou transtornos psicológicos severos e persistentes, além de dependentes químicos. “Nesses casos, o cuidado é partilhado com a Atenção Primária (postos de saúde) e com os recursos comunitários do território”, informa o Catálogo de Serviços da Prefeitura de Fortaleza.
Integrante da rede hospitalar do SUS, o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM) dispõe de dois hospitais-dia com 60 leitos, um núcleo de atenção à infância e à adolescência, uma unidade de desintoxicação para álcool e outras drogas com 20 leitos masculinos, além de quatro unidades de internação, duas masculinas e duas femininas, com quarenta leitos cada, para pacientes em clínica psiquiátrica e reabilitação biopsicossocial multidisciplinar.
Com atendimento voluntário 24 horas, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço de apoio emocional a qualquer pessoa que precise conversar. Tudo sob total anonimato. O contato pode ser feito pela Internet (www.cvv.org.br) e por telefone. Fortaleza conta com um posto do CVV. Ele está localizado à rua Ministro Joaquim Bastos, nº 806, no bairro de Fátima. O telefone de contato é o (85) 3257.1084.
Para Alessandra Xavier, psicóloga e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), é importante as pessoas entenderem que existe tratamento e possibilidades de cuidado. Esses vão desde alternativas farmacológicas a psicoterapêuticas, englobando ainda atendimento individual, atendimento em grupo, atividades artísticas e terapias alternativas.
“Existem pacientes que necessitam de acompanhamento psicológico e psiquiátrico para o resto da vida. Mas a maioria não necessita se o acompanhamento logo após o episódio for eficaz”, explica o psicólogo Victor Melo. “Se houve uma tentativa de tirar a própria vida, já havia a necessidade de suporte profissional antes e vai continuar sendo necessário”, complementa a psicóloga Isadora Dias.
As variáveis para os acompanhamentos serem pro resto da vida ou não são inúmeras. Depende inclusive do desejo do indivíduo. “Esse apoio profissional não deve ser visto como uma condenação, mas como uma oportunidade. As pessoas acham importante fazer atividade de física pro resto da vida, por que não pensam o mesmo da psicoterapia? As pessoas tomam remédio pra pressão ou outra necessidade pro resto da vida e por qual motivo uma medicação psiquiátrica não? Tenho procurado tratar cada vez mais a saúde mental que nem a saúde física: como algo essencial”, pontua Isadora.
Para quem não mora em Fortaleza, a orientação não muda. “Se você estiver passando por uma situação de depressão ou crise de ansiedade, é importante procurar ajuda de um profissional. Prioritariamente nos Caps, que nem todo lugar do interior tem, mas postos de saúde também são lugares onde as pessoas podem procurar ajuda, além do CVV”, destaca a psicóloga Alessandra Xavier.
SAIBA MAIS
Na estrutura de saúde atual, o ideal para uma pessoa com sofrimento psicológico ou comportamento de risco para autolesão é procurar primeiro o posto de saúde mais próximo de casa. Após avaliação, há o encaminhamento, se necessário, para algum Caps.
Contudo, é possível sim buscar diretamente os Caps.
Em caso de crise/autolesão, porém, o recomendado é buscar uma emergência, seja Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou hospital.
FOTO: Mateus Dantas.
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Jornalista. Alma de cronista, coração de poeta. Tem experiência em Assessoria de Comunicação. Apaixonado por futebol, boas histórias e fim de tarde.