Qualquer pessoa pode ser um agente de preservação da vida. Você precisa só exercitar o olhar para os pedidos de socorro que todo indivíduo com transtornos psicológicos dá quando cogita desaparecer. Mudanças repentinas de humor, abandono de tarefas rotineiras e uso de expressões de morte são exemplos claros. Conheça as principais causas associadas aos negros nesta prática e saiba o que fazer (e o que não) na iminência dela
A cada 40 segundos, uma pessoa tira a própria vida no mundo. No Brasil, a cada 45 minutos. São 800 mil casos por ano. Entre adolescentes (indivíduos de 15 a 19 anos, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)), o ato já é a segunda principal causa de morte entre meninas e a terceira entre meninos. Números que fazem muita gente questionar se há como estender a mão a alguém com sofrimento psicológico ou desejo de desaparecer. A resposta é: sim, é possível.
Especialistas ouvidos pelo Ceará Criolo apontam que, mesmo sem orientação especializada, podemos “diagnosticar” uma forte dor emocional em alguém que não apresenta indicativos de melhora. “Quando as coisas ficam mais difíceis, tem alguns sinais, algumas coisas importantes que a gente preste atenção”, destaca a professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), psicóloga Alessandra Xavier.
Segundo o Ministério da Saúde, a tentativa é o principal fator de risco para outra tentativa, com determinantes de risco conforme perfis. Desemprego, migração, isolamento, guerras e conflitos armados são alguns determinantes sociodemográficos, assim como conflitos interpessoais, perda de parentes, amigos ou perdas recentes, mudanças políticas e financeiras, rejeição, discriminação, racismo e LGBTfobia são determinantes psicológicos. Entre as condições clínicas, a depressão, a alteração de humor, o uso de álcool e outras drogas e o surgimento de dores crônicas e de lesões graves devem ser considerados.
“Não há uma regra geral porque é caso a caso. As pessoas dão sinais no sentido de você perceber e estar atento ao seu colega quando ele muda de humor; quando você começa a perceber uma desesperança; quando a pessoa aparentar uma angústia mais forte e dizer que perdeu o sentido da vida, a vontade de viver de fato. Ela vai falar ‘não tenho mais vontade de viver’, ‘tenho vontade de sumir’, e pode falar claramente ‘tenho vontade de morrer’”, complementa a também psicóloga Bárbara Melissa Carvalho Morais.
É sugerido nunca julgar os sinais de alerta como se eles fossem “para chamar atenção”. No caso de adolescentes, por exemplo, a inabilidade para lidar com um sofrimento psicológico é natural devido ao processo de maturação psíquica que gera impulsividade e suscetibilidade a influências externas.
Por isso, é preciso estar sensível aos sinais e ter mais atenção com os nossos. De repente, não mais que de repente, você pode notar uma mudança de comportamento num amigo ou parente. “Às vezes, está tudo bem na vida da pessoa e ela diminui a vontade de fazer as coisas. Parece que estou falando de depressão, mas não é. Estou falando de morte da vida mesmo; de uma dor que ela quer matar. Às vezes, não necessariamente ela quer acabar com a vida em si e sim acabar com uma dor, com uma angústia tão forte que não consegue lidar e não suporta mais”, explica Bárbara.
ESQUENTANDO O CORAÇÃO
“Foi um choque pra todo mundo porque ele nunca se queixou de nada. Depois, numa reunião de amigos, a gente foi juntando as peças e se deu conta. Um falou que ele andava desleixado com o visual, e ele sempre se vangloriou de ser vaidoso e bonito. Mas disse que era falta de tempo. Outro disse que ele tava furando os dias de ir pra natação, que era uma coisa que ele amava fazer mais que tudo. Mas ele alegou que andava cansado. Outro lembrou de uma conversa um mês antes que não deu muita atenção e ele tava meio desanimado pra sair pras festas, que ele também amava. No fim das contas, todo mundo percebeu que ele deus sinais e a gente não soube identificar um perigo ali.”
O depoimento é de alguém que pede sigilo quanto à identificação mas deixa evidente a importância de estarmos atentos aos sinais de quem tem sofrimento psicológico ou comportamento para tirar a própria vida. Sensibilidade, cuidado e ajuda de especialistas formam um trinca apontada pelas psicólogas quando a questão é preservar vidas. E pessoas próximas podem sim ajudar. “Se a gente ficar mais sensível ao sofrimento e à dor humana, muitos dos cuidados podem vir”, aponta Alessandra Xavier.
Para a professora da Uece, é importante fortalecer vínculos e ter redes de apoio, suporte na comunidade e no espaço do trabalho. Também é fundamental ter amigos e fazer parte de grupos, sejam eles esportivos, artísticos ou religiosos. “O amigo é uma rede de apoio super importante. Ele pode perceber quando tem uma mudança de humor considerável”, complementa Bárbara Melissa.
Cuidado é prevenção, apontam os especialistas. É preciso ter tempo livre, praticar esportes, ter um hobby (ou vários), algo de passatempo, aproveitar a natureza, cuidar do sono e se sentir útil. “E a questão da autoestima, dos vínculos, da esperança, da rede de apoio, de estar engajado com coisas que façam sentido pra vida da gente, ter razões pra viver, estar envolvido em alguma coisa que esquenta o coração é extremamente importante”, destaca a psicóloga Alessandra Xavier.
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PRINCIPAIS CAUSAS ASSOCIADAS* EM NEGROS
O não lugar
Ausência de sentimento de pertença
Sentimento de inferioridade
Rejeição
Negligência
Maus tratos
Abuso
Violência
Inadequação
Inadaptação
Sentimento de incapacidade
Solidão
Isolamento social
OUTROS FATORES ASSOCIADOS
Não aceitação da identidade racial, sexual e afetiva, de gênero e de classe social
* De indivíduos que interrompem a própria vida
FOTO: Mateus Dantas. INFOGRÁFICO: Rayana Vasconcelos.
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Jornalista. Alma de cronista, coração de poeta. Tem experiência em Assessoria de Comunicação. Apaixonado por futebol, boas histórias e fim de tarde.